A arte (e o negócio) de produzir sínteses

Por Guilherme Ary Plonski, professor da Escola Politécnica e da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP

 29/09/2023 - Publicado há 7 meses

Em pouco mais de um século, a expectativa de vida no Brasil passa de 34 para 77 anos. Em face desse salto formidável, como explicar que, quanto mais tem aumentado o nosso tempo de vida, menos tempo temos para as coisas da vida? Estamos sempre “correndo contra o tempo”!

O notável polímata Herbert Simon aponta como causa subjacente desse paradoxo o confronto entre o crescimento exponencial da informação disponível e a limitação da capacidade de concentração total ou parcial da mente em algo. Em síntese: “riqueza de informação cria pobreza de atenção”. Respostas contemporâneas massivas a esse fenômeno, apontado por Simon há mais de meio século, são os vídeos de 60 segundos no Tik Tok e o limite de 280 caracteres nas mensagens veiculadas na plataforma X (o limite era de 140 no começo do então Twitter). Em nosso contexto peculiar, vale mencionar também os escassos minutos alocados em conferências acadêmicas para apresentação de um trabalho que pode ter levado meses ou anos para ser elaborado e que pode ter exigido do/a pesquisador/a numerosas horas de viagem para chegar ao local do evento.

No regime da “economia da atenção”, produzir sínteses se torna uma arte e um negócio. A prática sistemática da arte da síntese ocorre, por exemplo, nos cursos para aprimoramento da competência em redação científica, que dedicam parcela importante do tempo a capacitar os participantes na redação de um abstract que seja, ao mesmo tempo, correto e empolgante.

A ampla produção de sínteses como negócio se manifesta de várias formas. Há produtos que oferecem sínteses conceituais de temas abrangentes como, por exemplo, a série Gerente-Minuto, de conhecido autor do campo da administração. Mais recentemente, presenciamos uma abundância de aplicativos que vendem sínteses de livros em diversos feitios, como os microbooks. Uma novíssima fronteira da produção de sínteses, tanto artesanal como “industrial”, é ensejada pelos chamados “grandes modelos de linguagem”, dos quais vem se popularizando a linha de produtos denominada “ChatGPT”.

Todavia, as práticas comuns de produção de sínteses não têm dado conta de uma carência frequente, decorrente da ânsia de produção de conhecimentos altamente especializados, que muitas vezes se faz presente no contexto universitário. Trata-se do insuficiente aproveitamento desses conhecimentos na formulação e implementação de propostas para superação de desafios concretos da sociedade, especialmente os de elevada complexidade. Um caso típico é o desenvolvimento de soluções para questões ambientais críticas que sejam tecnicamente exequíveis, economicamente factíveis, politicamente viáveis e culturalmente aceitáveis.

A percepção dessa síndrome de “diabetes intelectual”, em que conhecimentos existentes não chegam aonde são necessários ou não conseguem exercer o efeito desejado, vem incentivando a busca de modelos de síntese inovadores. Eles não mais visam à mera compactação de conhecimentos, mas sim à construção de processos engenhosos, de caráter transdisciplinar, para aglutinar conhecimentos elementares, pertinentes a disciplinas diversas, voltados à superação de problemas e aproveitamento de oportunidades. Esses conhecimentos tipicamente já existem, mas estão dispersos entre grupos de pesquisa vinculados a instituições distintas.

Um desses modelos é o de “centros de síntese”, originado na Fundação Nacional de Ciências (NSF) dos Estados Unidos, nos idos de 1995. Foi uma resposta ao pedido de organizações do campo da ecologia para estabelecimento de um lugar adequado à “análise multidisciplinar de problemas ambientais complexos”. Apoiados na chamada “ciência da síntese”, esses centros são ambientes de pesquisa que “oferecem uma amálgama singular de cultura, infraestrutura, liderança e suporte que facilita a descoberta criativa em questões cruciais à ciência e à sociedade”. Como descreve um artigo que sintetiza a história desse modelo, “a combinação de apoio logístico, bolsas de pós-doutorado ou sênior, gerenciamento de dados complexos […] e acima de tudo, a oportunidade de discussão e reflexão em grupo, reduz a ‘energia de ativação’ necessária para promover a criatividade e o cruzamento de ideias”.

Esse modelo chega ao Brasil com a habitual defasagem de duas décadas. Os três precursores são:
• o Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), baseado no CNPq;
• o Núcleo de Análise e Síntese de Soluções Baseadas na Natureza (Biota Síntese), baseado no Instituto de Estudos Avançados da USP, que conta com o apoio do programa de Núcleos de Pesquisa Orientada a Problemas da Fapesp; e
• o Centro de Síntese USP Cidades Globais, também baseado no Instituto de Estudos Avançados da USP, que conta com diversos apoios.

Os resultados iniciais dos dois jovens centros de síntese do IEA são muito estimulantes. Essa constatação anima o instituto a pensar numa expansão do modelo. Centros de síntese poderiam ser criados para pesquisar questões diferentes das associadas ao desafio da sustentabilidade, que levou à geração do modelo inovador pela Diretoria de Ciências Biológicas da NSF e constitui o foco da maioria dos centros existentes. A prudência recomenda, porém, olhar com cuidado as avaliações dos efeitos desse modelo nos centros de síntese com maior tempo de existência.

Uma dessas avaliações, publicada em 2021 no reputado periódico Research Policy, tem um título sintético imbatível: “Do synthesis centers synthesize”?

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