Biossensores apresentam potencial para medir glicose de modo contínuo

De acordo com os pesquisadores da USP em Ribeirão Preto, os dispositivos também abrem caminho para a criação de um pâncreas artificial

 09/11/2016 - Publicado há 7 anos
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Implantação do biossensor debaixo da pele evitaria furos frequentes nos dedos para monitorar o nível de glicose ao longo do dia – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Estudo realizado pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP deu origem a dois biossensores com grande potencial para tornarem-se monitores contínuos de glicose. Um com estrutura em escala micrométrica, que faz a quantificação de glicose em solução em ambiente extracelular. O outro tem a escala nanométrica e faz a quantificação de glicose em ambiente intracelular, utilizando o sistema de nanopipetas de quartzo.

Segundo o físico médico Raphael Aparecido Sanches Nascimento, autor do estudo, além do monitoramento contínuo, os biossensores têm ainda como vantagem a boa sensibilidade e alta seletividade na medição de glicose. “Também utilizam material de custo muito menor do que aqueles atualmente existentes no mercado”, avalia.

Cris_Pesquisa Biossensores de Glicose Continuo
Raphael Aparecido Sanches Nascimento (foto), autor do estudo – Foto: Divulgação

Nascimento afirma que a boa sensibilidade na medição da glicose se dá pela utilização do substrato de óxido de estanho dopado com flúor (FTO), um material semicondutor transparente que apresenta a característica peculiar de ser capaz de detectar íons de hidrogênio e moléculas de hidroxilas, que promovem a medição da glicose ao se absorverem nesse material. “O FTO funciona como um transdutor altamente sensível à variação de pH, por isso detecta pequenas concentrações de glicose no meio quando essa molécula sofre oxidação. É um material mais barato, quando comparado aos modelos disponíveis no mercado, que usam, por exemplo, o óxido de estanho dopado em índio (ITO).”

Pâncreas artificial

O biossensor com estrutura em escala micrométrica utiliza o sistema de avaliação Transistor de Efeito de Campo de Porta Estendida (EGFET), baseado no acoplamento de uma membrana sensível à alteração do pH, que utiliza o FTO.

Nascimento já comemora o futuro de sua pesquisa. Com esses resultados, diz, já é possível pensar no desenvolvimento de um sensor de monitoramento contínuo da glicose. “Um simples procedimento de implantação de um dispositivo sensível debaixo da pele, por exemplo, em basicamente qualquer região do corpo, seria o suficiente para o paciente não mais se submeter a furos frequentes nos dedos para monitorar o nível de glicose ao longo do dia.” E vai mais longe. “Apesar de ser um estudo inicial, esses achados podem, no futuro, levar ao desenvolvimento de um pâncreas artificial para monitorar continuamente o nível de glicose no sangue, podendo também auxiliar na dosagem adequada de insulina para o corpo.”

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Foto: Divulgação/FFCLRP-USP
Foto: Divulgação/FFCLRP-USP

Já o sistema de nanopipetas de quartzo, diz Nascimento, é um instrumento que mede o nível de glicose livre no citoplasma das células. “Elas podem ajudar a compreender melhor a fisiologia celular, que ainda possui muitos pontos obscuros. De modo mais pontual, meu estudo mostrou um pouco melhor como se dá o acúmulo de glicose intracelular.”

Segundo o pesquisador, o estudo também confirmou dados já apresentados pela literatura acerca da diferença notável para a concentração de glicose intracelular entre células cancerígenas e células normais. Nesse caso, a novidade na pesquisa conduzida por Nascimento foi a técnica aplicada para essa confirmação, que mantém a célula monitorada viva durante e após todo o processo acontecer.

“Enquanto os trabalhos anteriores precisavam matar as células para que as medidas de glicose fossem feitas, a nova técnica permitiu que a célula continuasse viável após a medida.” O estudo, diz Nascimento, é uma contribuição a mais rumo à compreensão da complexa maquinaria celular, que poderá ajudar também para o surgimento de drogas mais efetivas contra os diversos tipos de cânceres.

Testes complementares

O pesquisador ressalta que o dispositivo ainda não está completamente pronto para testes em meios complexos como o sangue. Para isso, um pouco mais de pesquisa é necessário para assegurar que outras moléculas não interferirão na resposta final do sensor.

“Contudo, essa fase não diferenciará a leitura do dispositivo que é feita através de um conversor de sinal – conversor analógico/digital conhecido também como placa de aquisição ou data acquisition – que faz uma leitura de corrente elétrica e a converte em um sinal de concentração de glicose no meio. Isso pode ser feito por um computador comum, num laptop ou mesmo por meio de um equipamento dedicado para tal serviço. Porém, não é necessário nenhum supercomputador para fazer o programa funcionar – qualquer laptop barato hoje tem condições de fazê-lo”, destaca.

Atualmente uma das linhas de trabalho que o pesquisador desenvolve na Universidade Federal de Lavras busca, justamente, montar uma plataforma portátil para esses sensores baseada em arduíno (placa de prototipagem eletrônica de código aberto).

Diabete – doença do século

Para o pesquisador, num futuro um pouco mais distante, com o monitoramento contínuo, “pode se vislumbrar também um tratamento mais eficaz para a diabete”.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente a diabete afeta cerca de 250 milhões de pessoas no mundo, e se novas medidas não forem adotadas, esse número dobrará até 2030. Dados da OMS ainda mostram que 80% das pessoas com diabete vivem em países com renda baixa e média, e têm idade entre 45 e 64 anos, o que torna necessário cada vez mais estudos voltados para o tratamento e acompanhamento da diabete.

A tese Quantificação de glicose intra e extra-celular por meio de biossensores micro e nanoestruturados foi defendida em 2015 e orientada pelo professor Marcelo Mulato, da FFCLRP.

Mais informações: email raphasanches@gmail.com, com o pesquisador Raphael Aparecido Sanches Nascimento

Por: Crislaine Messias, do Serviço de Comunicação Social do Campus de Ribeirão Preto


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