Existência da memória fotográfica é controversa no meio científico

Primeiro caso foi registrado há cerca de 100 anos, na antiga União Soviética, mas ainda não há evidências suficientes para atestar as supermemórias

 16/11/2020 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 20/11/2020 as 15:49
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Fotomontagem sobre imagem Unsplash e Freepik /Jornal da USP

 

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Assim como o fundo do mar, a mente humana guarda mistérios que a ciência ainda não conseguiu desvendar. A memória fotográfica é um deles. Como e por que algumas pessoas possuem a capacidade de armazenar informações com uma riqueza de detalhes, e de lembrá-los mesmo após se passarem meses ou anos, são questões que os estudiosos ainda tentam entender. 

Especialista em estrutura da memória, o professor Cesar Alexis Galera, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, conta que o primeiro indício da existência de memória fotográfica foi registrado há cerca de 100 anos, pelo neuropsicólogo soviético Alexander Romanovich Luria, no livro A Mente de um Mnemonista. Na publicação, o médico descreve o russo Solomon Shereshevsky, capaz de memorizar mais de 100 palavras ou números e repeti-los semanas, meses ou mesmo anos depois. 

Shereshevsky, ou S., como ficou conhecido, era um jornalista que foi mandado ao Instituto de Psicologia de Moscou, por seu editor chefe, para ser testado por Luria. O professor Galera conta que, já nos primeiros testes, o médico se convenceu de que era impossível testar a memória do russo. S. foi capaz de recordar cada uma das 70 séries de números e letras que o cientista lhe apresentou, como fórmulas matemáticas, poemas inteiros e orações, assim como também as repetiu na ordem inversa. “Dezesseis anos depois dessas sessões iniciais, S. ainda era capaz de se lembrar não só das palavras memorizadas, mas da cor do paletó que Luria vestia, dos detalhes do ambiente em que estavam e onde cada um estava sentado”, conta o professor.

Segundo Galera, memórias como a do russo Shereshevsky são um tipo raro na psicologia e diz que hoje “a grande parte mnemonista é produto do treino”. Cita, como exemplo, participantes do Campeonato Mundial de Memória, realizado desde 1991, capazes de repetir 67.980 dígitos do número Pi, 1,4 mil cartas aleatórias de baralho ou 4.140 dígitos binários. O professor acredita que “essas pessoas têm uma habilidade, treinam um determinado aspecto e possuem uma memória normal para outras dimensões”.

Galera acredita que podem existir memórias surpreendentes, como a de S., escondidas pelo mundo, mas que ainda não foram encontradas. Devido aos poucos registros que se têm sobre o fenômeno, faltam evidências para estudar a memória fotográfica. Mas, para o professor Galera, “não podemos dizer que, uma vez que não encontramos, não existam. É evidente que podem existir, mesmo que nós não saibamos”. E, quando aparecer, afirma o professor, “pode ter certeza que vamos encontrar formas de dizer se isso é verdade ou não e de estudar”. 

Ouça no player acima a entrevista do especialista em estrutura da memória, professor Cesar Alexis Galera, ao Jornal da USP no Ar – Edição Regional.


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