Retorno dos EUA à Unesco reforça multilateralismo

Dallari avalia que a decisão norte-americana tem como razão imediata o temor da crescente influência da China na Unesco e em outros espaços de cooperação internacional, como a OMS

 12/07/2023 - Publicado há 10 meses

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Há pouco mais de dez dias, os Estados Unidos voltaram a fazer parte da Unesco, e isso é muito significativo para o reforço do multilateralismo e da governança mundial, dada a grande relevância do país e daquela organização internacional.

Fundada em 1945, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, a Unesco é uma das mais destacadas organizações especializadas do sistema coordenado pela ONU, a Organização das Nações Unidas. A sigla Unesco corresponde à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, cuja denominação já define bem seu campo específico de atuação, que é vital para a promoção da cidadania e dos direitos humanos.

Os Estados Unidos são um dos membros fundadores da Unesco, mas haviam se desligado em 2018, na Presidência de Donald Trump, por considerarem que a organização adotava postura sistemática contra os interesses do Estado de Israel, tradicional aliado norte-americano. Antes disso, em 2011, no governo do presidente Barack Obama, a contribuição financeira norte-americana já havia sido interrompida, em protesto contra a admissão da Palestina como Estado-membro da organização.

Entre outros efeitos, o retorno dos Estados Unidos acarretará uma elevação substancial nos recursos financeiros da Unesco. Por conta do peso de sua economia, a contribuição regular do país equivalerá a 22% do orçamento anual da organização, que é de mais de US$ 500 milhões. E o governo do presidente Joe Biden se comprometeu a pagar adicionalmente US$ 619 milhões, valor da contribuição que deixou de ser entregue pelos norte-americanos entre 2011 e 2018.

A decisão norte-americana de pleitear seu retorno certamente tem como razão imediata o temor da crescente influência da China na Unesco e em outros espaços de cooperação internacional, como a Organização Mundial da Saúde. A maior influência chinesa seria uma decorrência justamente da decisão do governo Trump de renegar o multilateralismo, postura que o governo Biden tem procurado reverter.

Em evidente protesto contra essa suposta motivação antichinesa dos norte-americanos, a China votou pela rejeição do pedido de readmissão, tendo sido acompanhada por outros nove países fortemente contrários aos Estados Unidos, como a Rússia, o Irã e a Coreia do Norte.

No entanto, esses dez votos contrários e as cinco abstenções foram largamente superados pelos 132 votos de países favoráveis à volta dos Estados Unidos à Unesco, inclusive o voto do Brasil. E existe uma clara razão para essa larga maioria, que não passa pela rivalidade entre Estados Unidos e China. É que há uma noção generalizada de que a rápida aceleração de crises que colocam em risco as condições para a sobrevivência da espécie humana no nosso planeta exige o reforço do multilateralismo, isto é, da necessidade dos países de todo o mundo, especialmente as grandes potências, buscarem o entendimento imprescindível para que se consiga superar essas crises, ou ao menos minimizar seus efeitos.

Isso vale para assuntos como a elevação do aquecimento global, a persistência de conflitos armados, a falta de controle sobre as armas nucleares e a ameaça de novas pandemias. E o reforço do multilateralismo é necessário, também, para se enfrentar desafios que fazem parte do campo de atuação da Unesco, que, entre outros encargos, será um dos principais ambientes de discussão e definição de políticas globais relacionadas à inteligência artificial e à enorme insegurança que a extrema velocidade de sua expansão está gerando.

Portanto, o retorno dos Estados Unidos à Unesco é uma boa notícia.


Globalização e Cidadania
A coluna Globalização e Cidadania, com o professor Pedro Dallari, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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