Cerca de 30 mil crianças e adolescentes encontram-se abrigados pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), mas apenas 4 mil deles estão aptos para adoção, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Atualmente, 35 mil famílias estão inscritas no SNA e, apesar de o número indicar uma proporção favorável, é importante avaliar que a maioria dos pretendentes deseja adotar crianças de até 3 anos — idade que não é correspondente com a maioria das crianças acolhidas.
Rubens Beçak, professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da Universidade de São Paulo, explica que, muitas vezes, os debates acerca dos problemas presentes no sistema de adoção nacional — como o tempo de processamento, a forma de execução do procedimento e as exigências necessárias para a sua conclusão — concentram-se em entraves colocados pela burocracia, que existem, mas que contaram com um grande avanço nos últimos anos.
Assim, o especialista destaca que esse processo envolve ramificações que passam por caminhos culturais e sociológicos. “No Brasil, nós percebemos um problema de que as pessoas que se dispõem a adotar ainda têm, na minha maneira de ver, lamentavelmente, uma manifestação de preferência muito exacerbada sobre o tipo de crianças que querem adotar”, avalia Beçak.
Desafios
Características fenotípicas, cronológicas e genéticas ainda são aspectos levados em consideração pela maioria dos pretendentes que desejam adotar no País. Dessa forma, crianças brancas, com até 3 anos, que não apresentam laços familiares prévios nem a manifestação de doenças são a preferência, mesmo que não representem a grande maioria das crianças e adolescentes acolhidos. Atualmente, cerca de 48% do sistema é formado por adolescentes de 12 a 17 anos, mas é possível avaliar que a adoção tardia segue sendo estigmatizada nesse espaço.
Isabel Cristina Gomes, professora do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo, comenta que, atualmente, grupos de pesquisa trabalham com formas de desenvolver a maturidade dos pretendentes com relação ao processo. Assim, é necessário que o indivíduo compreenda as dificuldades que vão ser encontradas para o estabelecimento de um vínculo afiliativo. “É importante considerar a história pregressa da criança, sem preconceitos e sem que a criança seja colocada, principalmente por casais inférteis, no local da criança que não foi possível ter”, afirma a especialista.
Muitas vezes, a adoção tardia é rejeitada por parte dos pretendentes, que avaliam que a adoção de crianças mais velhas traria maiores problemas, já que apresentam uma personalidade mais desenvolvida. Isabel discorre que a adoção madura procura, dessa forma, demonstrar que não há uma idade certa para realizar a parentalização — sendo necessário quebrar a expectativa de muitas famílias que buscam alcançar o sonho do filho biológico por meio do sistema de adoção.
A compreensão da construção da noção de pertencimento é outro aspecto que parece ser essencial para esse debate. Assim, a especialista explica que a introdução de uma nova criança gera estranhamento até mesmo para os pais biológicos, que, com o tempo e com a presença de aspectos sociais e integrativos, constroem os laços afetivos. Além disso, é importante o entendimento de que mesmo os bebês mais novos carregam uma história consigo.
Ramificações
O professor Rubens Beçak avalia ainda que as dificuldades encontradas nesse processo fazem com que a manifestação de outras adoções ocorra por caminhos informais. Assim, o professor avalia que, apesar de não serem abrigadas pela legislação, elas são uma realidade no território nacional, principalmente em regiões interioranas.
Outro mecanismo que merece destaque nessa discussão é o do Apadrinhamento Afetivo, programa que busca fazer com que as crianças e adolescentes acolhidos possam criar laços com indivíduos de fora das instituições governamentais para o desenvolvimento social, educacional e cultural. “Vai se criando um vínculo com alguém que não quer adotar ou que quer, mas que não encontrou as condições ideais para fazer isso no momento. Assim, é criado um momento em que se estabelece um vínculo de afetividade”, adiciona o professor.
Para além disso, Isabel explica que o processo de idealização é comum nesse cenário, mas que não deve ser naturalizado, uma vez que a convivência costuma transformar a percepção inicial que é criada sobre os indivíduos. Diferentes etapas podem ser observadas no caminho desse sistema, assim, o cuidado psicológico com crianças que já passaram por um processo de adoção também faz parte desse procedimento.
Muitas vezes, é comum que as crianças que já foram adotadas peçam para retornar para o abrigo em que passaram a maior parte de suas vidas e, por esse e outros motivos, o preparo dos pretendentes também é importante nesse caminho. “Existem crianças mais velhas em que o abrigo foi o único lugar e a única experiência de construção de vínculos. […] Aquele é o lugar conhecido, é nesse espaço que a criança construiu laços e, muitas vezes, ela está com medo e com inseguranças”, adiciona Isabel.
Políticas públicas
Apesar das dificuldades encontradas nessa área, algumas medidas poderiam ser tomadas para o aumento da visibilidade da questão. Beçak explica, dessa forma, que é necessário educarmos os indivíduos de forma massiva para os benefícios da adoção e do apadrinhamento afetivo. “É necessário mostrarmos para as pessoas os benefícios de se dar um lar e uma família para aquelas crianças que não têm e precisam de uma”, explica.
Para os indivíduos que desejam se tornar pretendentes de adoção é preciso realizar o Cadastro Nacional de Adoção, sendo necessário ter uma idade de 16 anos a mais que a pessoa que se pretende adotar. As condições pedidas pelo adotante são avaliadas — observando-se que, quanto menos exigências, mais rápido o processo será realizado.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo
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