Evento celebra parcerias científicas entre França e Brasil

De 18 a 22 de setembro, a 2ª Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica promove atividades que vão fortalecer a longa cooperação entre os dois países

 13/09/2023 - Publicado há 8 meses     Atualizado: 15/09/2023 as 14:37

Texto: Rebeca Fonseca*

Arte: Joyce Tenório**

Cartaz de divulgação da 2ª Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica - Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Divulgação/Consulado Geral da França em São Paulo

Para iniciar os cursos da hoje chamada Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, em 1934, professores universitários franceses vieram ao Brasil. A Missão Francesa, como se chamou o movimento, não foi o primeiro nem o último momento em que as duas nações cooperaram. Com o objetivo de celebrar essa longa parceria científica entre Brasil e França, a 2ª Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica ocorrerá na USP entre os dias 18 e 22 de setembro.

As atividades foram organizadas em conjunto com o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e o Consulado Geral da França em São Paulo. Segundo a professora Marisa Midori, docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e uma das organizadoras do evento, a Semana pensa sobre o passado, reflete sobre a fundação da Universidade e celebra o presente de relações com instituições e pesquisadores franceses.

“Para a França, o Brasil é pensado como um país muito importante”, afirma Nadège Mézié, adida para Ciência e Tecnologia do Serviço de Cooperação para Ação Cultural do Consulado da França em São Paulo e também organizadora do evento. “Quando você olha a ciência e os organismos de pesquisa, o Brasil é um parceiro estratégico. A USP é vista como um centro de excelência em pesquisa.” 

Nadège Mézié, adida para Ciência e Tecnologia do Consulado da França em São Paulo- Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

Ouça no link abaixo entrevista de Marisa Midori e Nadège Mézie, organizadoras da  Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica, transmitida pelo Jornal da USP no Ar, da Rádio USP (93,7 MHz), no dia 13 passado. A apresentação é da radialista Roxane Ré.

Logo da Rádio USP

Um exemplo de cooperação recente ocorreu em março de 2023, quando a USP fez uma parceria com o Institut Pasteur da França para a criação da primeira unidade do Institut Pasteur no Brasil. O centro de pesquisa está voltado para a área de ciências biológicas e da saúde.

A 2ª Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica é também uma incubadora de projetos e permite novos diálogos de abertura para parcerias, considera Marisa Midori. “Os países crescem com acordos de cooperação e trocas científicas. Ninguém aprende ciência isolado”, defende a professora. Para ela, a Semana será o momento de observar um painel amplo e diversificado de cooperações em áreas distintas. “Conseguimos fazer uma semana multidisciplinar e mostrar que os diálogos entre Brasil e França, principalmente nas ciências humanas e nas ciências sociais, são muito intensos e fortes”, acrescenta Marisa.

Professores da Missão Francesa reunidos em 1934 - Foto: Acervo CAPH/FFLCH

Uma semana franco-uspiana de cooperação científica

Por Marisa Midori Deaecto e Nadège Mézié

A Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica nasceu com um neologismo, embora as relações entre a USP e a França, como sabemos, tenham deitado suas raízes há quase um século. Ou antes, em 1908, quando Georges Dumas, então professor de Psico-Filosofia na Sorbonne, faz sua primeira visita ao Rio de Janeiro e São Paulo, escalas de uma viagem mais ampla e intensa pela América do Sul. Como ele relembrará, em 1921, no discurso de fundação do Liceu Franco-Brasileiro São Paulo (atual Liceu Pasteur), publicado em O Estado de S. Paulo no dia 5 de novembro de 1921, à página 5:

“Faz agora treze anos (era 30 de setembro de 1908) que vim pela primeira vez a S. Paulo com uma missão do agrupamento das Universidades Francesas junto a Universidade de S. Paulo, e na vossa cidade de alta cultura, encontrei desde logo reunida em torno da minha figura as mais activas e mais qualificadas sympathias.”

O que este eminente intelectual francês chama de Universidade de São Paulo conformava, na verdade, uma ideia, senão um projeto futuro. É verdade que este projeto já apresentava um esboço bem definido, tomado a partir das faculdades e escolas superiores da capital – Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina e Escola Politécnica – , sem esquecer o papel relevante desempenhado pela Escola Normal para a formação de professores e, logo, para a expansão do ensino primário e secundário em todo o Estado.  Cumpre ressaltar que Dumas desempenhará, em 1934, o papel de articulador maior da missão francesa que concorreu para a fundação da primeira universidade paulista e, no seu bojo, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Pensando nisso, a 2ª Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica será inaugurada com a conferência da professora e vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, sobre esse diálogo profícuo de brasileiros e franceses na fundação da Universidade de São Paulo.

Mas é preciso ressaltar que a 2ª Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica está bastante atenta para as questões do presente. A Amazônia terá um espaço central nas discussões da Semana, seja por meio de uma jornada dirigida pelo geógrafo Hervé Théry, discípulo de Pierre Monbeig, cuja proposta é pensar esse imenso território, sua história e seus problemas de um ponto de vista transnacional, seja pela contribuição de Philippe Descola, antropólogo francês, discípulo de Claude Lévi-Strauss e pesquisador mundialmente reconhecido por suas reflexões sobre a relação entre natureza e cultura.

Na era da revolução das tecnologias de informação e comunicação, cujos desdobramentos sobre as formas de transmissão e guarda dos saberes se apresentam como uma incógnita, estudos no campo da história do livro, da edição e das bibliotecas têm atraído cada vez mais jovens pós-graduandos, além de uma comunidade muito expressiva de pesquisadores e leitores. Se, no ano passado, essa área foi contemplada com a presença do historiador Christian Jacob, neste ano Yann Sordet, bibliotecário e historiador do livro, proporá uma jornada de estudos sobre os processos de produção e difusão editoriais, e sobre as origens das bibliotecas públicas na Europa do Antigo Regime. Temas ancorados no passado, porém, conexos a inquietações das mais relevantes na época atual, dentre as quais: Livros impressos são ainda meios relevantes para a difusão do conhecimento? Qual o futuro das bibliotecas públicas?

As relações de gênero no mundo da pesquisa constituem outra temática da maior relevância e serão debatidas no colóquio Equidade, Diversidade e Inclusão em Ciência, Tecnologia e Inovação, coordenado pela profa. Janina Onuki. Ainda no campo da organização científica, o workshop Para um Laboratório Internacional USP-CNRS em Ciências Sociais e Humanas: Mundos em Transição inaugura o espaço USP-CNRS com a proposta de fortalecer a cooperação e dar melhor suporte às relações franco-brasileiras nas áreas de ciências humanas e sociais. A organização de um laboratório internacional voltado para essas áreas está em curso e terá como tema Mundos em Transição. Esse workshop será uma oportunidade para apresentar os objetivos e as ferramentas desse futuro laboratório e para discutir seu pré-projeto científico.

Esses são apenas alguns destaques de uma programação muito mais ampla, empenhada em congregar a comunidade uspiana, pesquisadores franceses e diversos setores da sociedade interessados e comprometidos com a educação, a pesquisa e a cultura. Aguardamos vocês!

Professores da França revelaram o Brasil para os brasileiros

Essa troca de conhecimentos entre os países será tema da conferência de abertura do evento, que será proferida pela vice-reitora da USP, professora Maria Arminda do Nascimento Arruda. Com o título Franceses e Brasileiros na Formação da Universidade de São Paulo, a conferência ocorrerá no dia 18, segunda-feira, às 11 horas, no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, tendo como moderador o professor Paulo Martins, diretor da FFLCH.

Os intelectuais da Missão Francesa não só trouxeram uma pauta de pesquisa, como revelaram o Brasil para os brasileiros”, afirma a vice-reitora, antecipando o que falará na conferência. As religiões africanas, a literatura e hábitos brasileiros – exemplifica – se tornaram objetos de estudos com a vinda dos professores franceses. Maria Arminda vai ressaltar quatro pensadores que tiveram papel formador na USP: Claude Lévi-Strauss, na filosofia, Roger Bastide, na sociologia, Pierre Monbeig, na geografia, e Fernand Braudel, na história.

Maria Arminda do Nascimento Arruda - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

De acordo com a vice-reitora, os professores franceses modelaram uma concepção de pensar em suas respectivas áreas. Especificamente sobre seu campo, as ciências sociais, Maria Arminda ressalta que o esforço não foi exclusivo da França, mas contou também com a participação de cientistas sociais americanos. “Esse conjunto de franceses e americanos construiu toda uma maneira de fazer ciências sociais, de fazer pesquisa, de construir os problemas.”

“A França está no centro de toda uma concepção de universidade e pesquisa e é um centro intelectual fundamental que nós temos como referência e com o qual temos um forte relacionamento científico e cultural”, diz Maria Arminda.

Antes da conferência de Maria Arminda, ocorre a abertura oficial da 2ª Semana Franco-Uspiana de Cooperação Científica, no dia 18, às 9h30, também no auditório da BBM. Estarão presentes o reitor da USP, professor Carlos Gilberto Carlotti Jr., e François Legué, conselheiro para a Cooperação e a Ação Cultural da Embaixada da França no Brasil.

Para Nadège Mézié, um dos méritos do evento é expandir o foco da cooperação para outras áreas do conhecimento, como o jornalismo. Por isso, uma exposição para celebrar o centésimo aniversário do jornalista francês Gilles Lapouge (1923-2020) fará parte da programação. A mostra será inaugurada no dia 18, às 14h30, no IEA. Lapouge se mudou para o Brasil em 1951, após convite de Júlio Mesquita Filho, então diretor do jornal O Estado de S. Paulo, onde o jornalista trabalhou por 70 anos.

A partir de uma investigação no Acervo Estadão, foram reunidos artigos para serem exibidos na exposição e ilustrar a trajetória do jornalista. A mostra foi dividida em diferentes eixos temáticos, sendo um deles a literatura, a que Lapouge também se dedicou. Uma mesa-redonda com jornalistas e pesquisadores de estudos literários será feita na abertura da exposição. Ela é um convite para conhecer o “oceano de palavras e ideias” que conectou a França e o Brasil, descreve Marisa Midori.

Gilles Lapouge – Nota

Banner da exposição "Gilles Lapouge, 100 Anos - Um Barqueiro entre a França e o Brasil" - Imagem: Consulado Geral da França em São Paulo

Por Antonio Dimas, professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

Gilles Lapouge (1923-2020) foi bem mais que um mero jornalista francês e correspondente do Estadão, durante anos. Pode-se dizer, hoje em dia, com tranquilidade, que Lapouge foi um brazilianist, muito antes da voga norte-americana dos anos 60. Parece exagero, mas Lapouge é descendente direto da Missão Francesa que ajudou a criar a USP, nos anos 30. Por uma razão bem simples: quando Júlio de Mesquita Filho pediu a Fernand Braudel o nome de um jornalista francês, Gilles Lapouge foi o indicado. Mal desembarcado no Rio, em março de 1951, começava ele, então, uma carreira de correspondente que durou mais de seis décadas.

No começo, seus artigos já se mostravam como “porta-giratória”, porque mostravam o que se passava lá fora e aqui dentro. Neles cabia tudo: o mercado do ferro, do enxofre, do trigo ou do papel. A vocação comercial e industrial de São Paulo; o desafio argelino ao imperialismo francês; o incômodo que os padres-operários franceses começavam a provocar em Paris; a penetração alemã na América Latina ou o malogro da política neutralista do Japão pós-guerra. Mas não eram só a política ou a economia que moviam o jovem correspondente. Vez ou outra, pipocava aqui e ali um artigo sobre surpresas literárias, como o aparecimento de Bonjour, Tristesse (1954), de uma adolescente Françoise Sagan ou os atritos entre Sartre e o terrorismo intelectual comunista. O que interessava a Lapouge, mais que a simples notícia, era a ebulição, viesse de onde viesse. Talvez seja por isso que tenha até especulado sobre a eventual relação entre HQ e a criminalidade norte-americana. Sempre sem estardalhaço.

Seu profissionalismo marcante foi o de cosmopolitizar nosso jornalismo, apostando todas suas fichas no vai-e-vem do noticiário, numa época em que a informação rastejava. Além de enciclopédico, seu jornalismo era circular e abrangente. E isso não é dedução. É confissão. Numa de suas entrevistas, Gilles Lapouge deixou isso muito claro: “Eis o que o Estado me ensinou: arrancar o fato de sua solidão regional ou nacional, inseri-lo como a peça de um quebra-cabeça gigante na paisagem infinita do mundo”.

Muito longe do universo acadêmico, suas aulas foram inúmeras, diversificadas e úteis até hoje. Salpicadas de humor e ditas com leveza enganosa.

O meio ambiente também será tema do evento, por meio do colóquio As Amazônias, Destinos Compartilhados, no dia 20, quarta-feira, das 9 às 18 horas, no IEA. Segundo Marisa, a diversidade amazônica será abordada numa perspectiva transnacional, que dará ênfase a diferentes discursos sobre o território. Para isso, pesquisadores do Brasil estarão presentes ao lado de especialistas da França, Colômbia, Peru e Bolívia.

O antropólogo francês Philippe Descola fará parte da primeira mesa-redonda do colóquio, sobre os povos que habitam a Amazônia, onde ele já fez trabalhos de campo. 

Descola também conversará sobre ecologia e fará uma conferência sobre seus novos livros, Para Além de Natureza e Cultura (Eduff) e As Formas do Visível (Editora 34), no dia 21, quinta-feira, às 18 horas, no IEA.

A professora Marisa Midori - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Outro pesquisador francês que fará parte das atividades é Yann Sordet, diretor da Bibliothèque Mazarine e da Bibliothèque de l’Institut de France, que vem ao Brasil pela primeira vez. O pesquisador ministrará o curso História do Livro, da Edição e das Bibliotecas, no dia 19, terça-feira, das 10h às 16h30, no IEA. No curso – coordenado por Marisa Midori -, Sordet vai refletir sobre a problemática de bibliotecas públicas e estudos atuais das áreas de comunicação.

O foco do workshop Para Um Laboratório Internacional USP-CNRS em Ciências Sociais e Humanas: Mundos em Transição, que acontece no dia 22, sexta-feira, das 9h às 12h30, na La Maison du CNRS, na Cidade Universitária, será o fortalecimento das relações entre a USP e a França na área das ciências humanas e sociais.

Outras atividades fazem parte da programação do evento. No dia 20, às 19 horas, o Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp), na Cidade Universitária, exibirá o filme Um Condenado à Morte Escapou (1956), de Robert Bresson. Já no dia 21, às 17h30, na BBM, o Ensemble da Orquestra Sinfônica da USP (Osusp) apresentará o Noneto em Mi Bemol Maior Op. 38, da compositora francesa do século 19 Louise Farrenc.

A semana inclui ainda, nos dias 19, 20 e 21, uma discussão em inglês, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, sobre a glândula adrenal. No dia 22, às 14h30, no IEA, o evento Equidade, Diversidade e Inclusão em Ciência, Tecnologia e Inovação vai reunir especialistas para discutir “os desafios das instituições de ciência, tecnologia e inovação e a implementação de políticas voltadas para ampliar a equidade, a diversidade e a inclusão” na área de Steam (plataforma de jogos digitais).

Marisa explica que a programação voltada para diferentes disciplinas é novidade na Semana e foi garantida por um edital da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani). “Nós fizemos uma parceria e a Aucani abriu um edital para selecionar projetos de programação. Isso permitiu a participação de outros campi da USP e pesquisadores da área de exatas e biológicas”, detalha.

A 2ª Semana Franco Uspiana de Cooperação Científica ocorre entre os dias 18 e 22 de setembro, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), também da USP, e em outros locais. Mais informações sobre o evento e sobre as inscrições para participação presencial estão disponíveis no site do IEA.

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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