Pensamento ecofascista convive com noções eugenistas e um nacionalismo extremado

Segundo André Felipe Simões, o ecofascismo revela-se no menosprezo aos valores da sociedade industrial e na adoção de uma política restritiva com relação ao acesso dos recursos naturais

 16/10/2023 - Publicado há 6 meses
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O pensamento ecofascista apresenta múltiplas consequências, já sendo possível observar a sua evolução para quadros extremos – Foto: Freepik
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O ecofascismo é uma linha de pensamento que está diretamente ligada com pensamentos da extrema-direita mundial, que se utilizam de discursos ambientais como forma de justificar pensamentos odiosos. A partir da utilização da desinformação e da simplificação de questões ambientais, o avanço tecnológico contemporâneo costuma ser descredibilizado como forma de justificar determinadas posições que não apresentam verdadeiro crivo ético. 

André Felipe Simões, professor de Gestão Ambiental na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo, explica que a Alemanha foi o berço da criação de políticas ecológicas pautadas no romantismo e em uma espécie de nacionalismo irracional.  “A gente observa nessa linha de pensamento o repúdio ao multiculturalismo”, aborda o especialista. Assim, em conjunto com o desprezo aos valores da sociedade industrial e a adoção de uma política restritiva com relação ao acesso dos recursos naturais — que deveria ser distribuído apenas para alguns — é possível avaliar as bases do pensamento ecofascista.

Consequências 

O pensamento ecofascista apresenta múltiplas consequências, já sendo possível observar a sua evolução para quadros extremos, como nos Atentados de Christchurch, em que Brenton Tarrant, supremacista branco, assassinou 49 pessoas e deixou 48 feridas em duas mesquitas da Nova Zelândia. Em manifesto, o autor dos crimes afirmava que, ao matar esses indivíduos, estaria acabando com a superpopulação e poderia, dessa forma, salvar o meio ambiente, declarando-se também como ecofascista. 

Outro caso semelhante foi observado em 2011 na Noruega, onde Anders Breivik realizou um atentado que matou 77 pessoas. “Ele considerava que o verde é o novo vermelho, criticando duramente o enfrentamento das mudanças climáticas e afirmando que a ação climática seria a nova forma de distribuição de riquezas”, explica o professor. Assim, em seu manifesto, o extremista procurava encontrar justificativas para os seus crimes, que partiam de uma leitura errônea do que seria a preservação ambiental. 

André Felipe Simões – Foto: LinkedIn

“O que me assustou, particularmente, na questão do pensamento ecofascista, foi a correlação entre esse pensamento e o avanço das mudanças climáticas. É muito difícil hoje você negar as mudanças climáticas, não há argumentos científicos minimamente consistentes que sejam capazes de construir uma negação científica para isso”, comenta Simões. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), por exemplo, consolida, cada vez mais, a participação dos seres humanos nesse problema. 

Contudo, é a partir dessas considerações que o pensamento ecofascista justifica que alguns indivíduos ou nações mereceriam continuar vivendo, se alimentando, tendo uma residência digna, enquanto aqueles que têm sido mais impactados por essas mudanças — com destaque para o sul global — deveriam ter o acesso a recursos básicos restringidos. 

Esse pensamento demonstra-se muito evidente, por exemplo, em políticas restritivas ao acesso livre ao território para pessoas que fogem de regiões habitacionalmente inviáveis em decorrência das mudanças climáticas. “O grande risco do avanço da barbárie climática seria você usar o desencadeamento de pensamentos completamente eugenistas e de um nacionalismo exagerado para justificar o descarte de milhões de indivíduos”, aponta o especialista.   

Ruptura climática

É possível destacar, assim, que, com o avanço das emergência climáticas, é possível que discursos conservadores se apropriem do discurso ecofascista para evitar as formas verdadeiramente eficazes de lutar contra essa problemática, como a luta contra o racismo, a pobreza, a fome e o enriquecimento ligado ao empobrecimento de outros.  Assim, para o professor, além da formação de políticas públicas, do uso de tecnologias e do cumprimento efetivo dos acordos climáticos, é necessário o compartilhamento de recursos e a distribuição de riquezas — fator que assusta muitas pessoas. 

Lutar contra a poluição e a emissão de gases do efeito estufa em paralelo com a luta contra as injustiças sociais, econômicas, raciais e de gênero é, portanto, um dos caminhos essenciais para a verdadeira luta contra a degradação ambiental e contra o pensamento ecofascista. Por esse motivo, o professor avalia também que a juventude, em conjunto com as comunidades originárias, seriam os principais responsáveis por uma luta verdadeiramente efetiva contra a degradação do meio ambiente. 

Panorama histórico 

O ecofascismo apresenta relação direta com o movimento völkisch, que é baseado no populismo etnocêntrico e nas relações místicas com a natureza — indo contra a modernidade. Assim, nessa linha de pensamento, havia uma exaltação a uma felicidade hipotética que apresentava raízes conservadoras fortemente contrárias à civilização industrial. “As raízes históricas do ecofascismo explicam tratar-se de um movimento social com ideologia baseada em preceitos holísticos, eugenistas, centrado em crenças e entidades não individuais — como o ar, a água, o solo, o território — e a um profundo misticismo e anti-humanismo exacerbado”, explica Simões.

O professor aponta, dessa forma, que os preceitos iniciais do ecofascismo podem ser encontrados nos escritos de Ernst Moritz, autor alemão que ficou conhecido por movimentar a população contra a ocupação alemã por Napoleão Bonaparte e que apresentava uma forte posição nacionalista marcada por claras tendências antissemitas. Juntamente a ele, encontra-se Madison Grant, advogado estadunidense, que exaltava tradições nacionalistas e patrióticas com uma forte visão romantizada. “Em seus livros havia uma ênfase ao retorno às tradições do campesinato e à valoração do equilíbrio ecológico correlacionados a uma suposta preocupação ambiental”, avalia o especialista. 

Com isso, é possível observar que aquilo que é compreendido como movimento ambientalista hoje é bastante dicotômico da prática dos ambientalistas do passado, uma vez que grande parte deles demonstrava-se preocupada com o meio ambiente apenas para uma parcela de indivíduos considerados superiores. 

Martin Heidegger, importante filósofo alemão, também apresentou algumas ideias nesse sentido em parte de sua obra, uma vez que apresentava uma clara preocupação com o avanço tecnológico e com a proteção dos recursos naturais em união a um nacionalismo exacerbado. De acordo com Simões, em uma visão contemporânea desse pensamento encontra-se o biólogo Paul Ehrlich, que avalia o problema da superpopulação como um dos principais problemas ambientais sem considerar as demandas associadas à ausência de uma distribuição de renda justa. Assim, esse tipo de pensamento vai contra aquilo que é defendido pela grande maioria das organizações mundiais, que avaliam que é necessário unir a proteção climática com a preservação da biodiversidade. 

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo


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