Ondas de calor no Hemisfério Norte mostram impacto das mudanças climáticas na saúde

Especialistas chamam a atenção para o termo “injustiça climática”, o qual evidencia que a população mais pobre e periférica é a mais vulnerável a condições climáticas extremas

 17/08/2023 - Publicado há 8 meses
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A zona de conforto e preparo térmico varia de acordo com cada país e cada região dentro do país – foto: Gerd Altmann – Pixabay
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O impacto das mudanças climáticas já é uma realidade e seus efeitos têm se intensificado cada vez mais. O mês de julho evidenciou esse processo muito claramente a partir da onda de calor que atingiu uma série de países em três continentes: Europa, Ásia e América do Norte. 

De acordo com o observatório europeu Copernicus, julho foi o mês mais quente já registrado na história do planeta, ao superar o último recorde mundial de 2019 em 0,33ºC. Com essa intensificação, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirma que o mundo ultrapassou o nível de aquecimento, atingindo o estado de “ebulição global”. 

“A atmosfera terrestre está ficando com uma quantidade maior de energia e uma das maneiras do sistema climático dissipar essa energia é através do aumento de eventos climáticos extremos”, esclarece Paulo Artaxo, professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP. 

Paulo Artaxo – Foto: Arquivo Pessoal

Esse episódio impactou não somente a natureza, mas também afetou seriamente a saúde da população dessas regiões com temperaturas acima dos 30ºC. Paulo Saldiva, professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, explica que pensar a mudança climática juntamente com a saúde pode favorecer a mudança de comportamentos. 

Além disso, nota-se um impacto desigual na saúde e vivência da sociedade, uma vez que a população mais pobre e periférica está mais vulnerável às mudanças climáticas. Helena Ribeiro, professora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, intitula o fenômeno de injustiça climática. 

Reação biológica

A zona de conforto e preparo térmico varia de acordo com cada país e cada região dentro do país. Saldiva situa cada uma dessas populações em uma escala de temperatura ideal e extremos de quente e frio – os quais ocasionam um aumento da mortalidade –, além da capacidade de adaptação de cada país. “Nova York, por exemplo, está mais preparada para o frio do que para o calor. Existe também um processo de aclimatização dentro do mesmo país; em São Paulo, o desconforto térmico começa quando a temperatura sobe de 26 graus, que é a zona de perfeito conforto para Teresina”, exemplifica o professor. 

Paulo Saldiva – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

No momento em que as condições climáticas extrapolam a predisposição do ser humano de se adaptar, o organismo passa a reagir e adoecer. Diferentemente do senso comum, Saldiva ressalta que hipotermia e hipertermia não resumem nem predominam as causas de morte diante de temperaturas extremas, representam a absoluta minoria. 

Na maior parte dos casos, os pacientes falecem por causas naturais desencadeadas por uma diversidade de complicações na saúde. Por exemplo, quadros de insuficiência renal ou infecção urinária provocados pela desidratação, assim como consequências cardíacas ocasionadas pela vasodilatação intensa e sobrecarga do coração. Assim, a professora Helena Ribeiro aponta idosos, crianças e mulheres grávidas como os mais vulneráveis, além de pessoas que já apresentam comorbidades crônicas na saúde. “Em termos sociais, frequentemente pessoas de menor renda são as mais afetadas, pois moram em áreas de maior risco de enchentes e deslizamentos, mais poluídas e com menor arborização urbana”, pontua Helena.

Previsões brasileiras

Por se tratar de um país tropical e já se situar nos limites de temperaturas, Artaxo comenta que o Brasil se torna ainda mais frágil às mudanças climáticas. Em regiões como Teresina, em que já se observam os termômetros atingirem 40ºC durante o verão, são previstas altas até 48ºC e consequências graves para a saúde da população, de acordo com Artaxo. 

Helena revela que o Brasil possui uma maior sensibilidade a ondas de frio do que calor, tendo em vista que, diferentemente do clima mediterrâneo do sul da Europa e oeste do Estados Unidos, o clima tropical do País possui verões chuvosos que atenuam o fenômeno. Além disso, existem algumas adaptações culturais, como vestimentas leves e frequência de banhos. 

Todavia, a professora ressalta a pouca infraestrutura ainda enfrentada pelo sistema de saúde para oferecer ambientes climatizados tanto para os profissionais da área quanto para os pacientes. “O sistema brasileiro já é bastante sobrecarregado e se houver um agravamento de ondas de calor, será necessário fazer uma formação de pessoal da saúde”, destaca Helena. 

Helena Ribeiro – Foto: Maria Leonor de Calasans/IEA

Ações

Saldiva afirma que a atividade de prevenção em nível de atenção primária é central para o preparo do sistema de saúde diante das condições ambientais, a fim de transmitir alertas para a população. “Veja a previsão do tempo, eles dizem se você vai ter que levar guarda-chuva para o dia, mas não tem uma previsão de saúde”, compara o professor para demonstrar a importância de uma política de prevenção. 

A relação direta entre a mudança climática e a saúde humana pode trazer um novo ponto de vista para o enfrentamento e conscientização dessa crise mundial, na opinião de Saldiva. Com a saúde individual e de pessoas queridas em jogo, o professor reflete sobre o maior impacto nos hábitos e perfis de consumo da população. 

*Estagiária sob supervisão de Paulo Capuzzo


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