Economia brasileira deve crescer, assegurar emprego de qualidade e renda adequada

Segundo Dante Mendes Aldrighi, crescimento deve ser alinhado à transição para uma economia de baixa emissão de carbono e com atenção aos desafios impostos pelas mudanças climáticas

 15/08/2023 - Publicado há 9 meses
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O panorama econômico geral é de crescimento baixo e moderado em todo o mundo – Imagem: Freepik

 

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Um recente relatório realizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), denominado World Economic Outlook, apresentou uma atualização acerca dos atuais desafios econômicos globais. Entre as diferentes causas para o início da atual crise, destacam-se a pandemia da covid-19 e a contínua guerra russo-ucraniana; dessa forma, a pesquisa revela que, para a recuperação econômica, os Estados internacionais devem focar na retomada do crescimento econômico, no problema da inflação e na garantia da estabilidade financeira. 

O FMI revelou também algumas projeções positivas — que não excluem a preocupação e o cuidado com o cenário atual — como a queda da inflação global, que deve cair para 6,8% neste ano, chegando a 5,2% em 2024. 

Maria Antonieta Del Tedesco Lins, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP, explica que o panorama econômico geral é de crescimento baixo e moderado em todo o mundo, sendo possível notar que a inflação apresenta-se como um problema generalizado. Juntamente com ela, outros problemas surgiram em decorrência dos conflitos presentes nos últimos anos, como a dificuldade de abastecimento, choques na produção e o impacto na comercialização de produtos. 

Cenário global

A especialista destaca que, apesar dos problemas que cercam essa discussão serem observados por diferentes Estados, a grande maioria deles os trata de forma individual — com a exceção de alguns blocos regionais, como a União Europeia, que mesmo assim conta com certa autonomia. “A gente não tem uma cooperação internacional no sentido de melhorar as condições econômicas, muito diferente disso, o que a gente tem é cada país cuidando do seu próprio quintal e desenhando políticas de acordo com isso”, comenta.   

Maria Antonieta Del Tedesco Lins – Foto: Marcos Santos /USP Imagens

Pensar em medidas econômicas que possam auxiliar na melhora dessa situação envolve diferentes variantes para cada um dos países, contudo, Maria Antonieta reflete que o aumento da previsibilidade e transparência na condução de políticas parece ser essencial.

No campo nacional, observa-se que a desigualdade socioeconômica segue sendo um dos maiores desafios encontrados no avanço de políticas para a melhora desse cenário. “Elementos como a maior tributação sobre rendas mais altas e patrimônios poderiam ser um caminho, mas nós estamos politicamente muito longe de implementar medidas como essa”, analisa a professora. Dessa forma, uma melhora na arrecadação e nas contas públicas faz-se necessária, juntamente com a estabilidade político-econômica para o avanço das tomadas de decisões de investimento. 

Outro aspecto essencial para esse avanço é a evolução da relação do Brasil com outros Estados. Segundo a especialista, a volta do País às grandes arenas de debate internacional pode ser um fator extremamente positivo para trazer mais estabilidade ao território. “Não apenas pelo lado de aumentar o comércio, mas também por estabelecer projetos conjuntos e também permitir mais cooperação internacional”, finaliza.  

Aspectos econômicos 

Segundo Dante Mendes Aldrighi, professor de Economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, o Brasil vem apresentando um baixo crescimento econômico nas últimas décadas — fator que, em partes, explica as elevadas taxas de desemprego, informalidade e reforça a desigualdade na distribuição de renda. Exemplo disso pode ser observado pelo fato do PIB de 2022 ter sido menor que em 2013.

“É imperativo que a economia brasileira cresça a taxas que assegurem emprego de qualidade e renda adequada. Esse crescimento, ao mesmo tempo, deve ser alinhado à transição para uma economia de baixa emissão de carbono e com atenção aos desafios impostos pelas mudanças climáticas”, analisa. 

Dante Mendes Aldrighi – Foto: Arquivo pessoal

O professor reforça ainda que, para que esses objetivos possam ser alcançados, a estabilidade macroeconômica é uma pré-condição. Aspecto que implica necessidade de uma baixa inflação e o equilíbrio das contas públicas. “Estabilidade da situação fiscal é condição tanto para o crescimento econômico sustentável como também para dotar o governo de capacidade financeira para executar suas políticas sociais”, explica. Isso acontece pois, uma vez que as contas públicas estão equilibradas, as incertezas sobre as ações tomadas pelo governo diminuem, a inflação não é pressionada pelo canal da demanda, é possível notar a redução da inflação corrente e há a redução da demanda governamental por financiamento.

“Isso leva a uma redução no prêmio de risco e a uma redução nas taxas de juros que são cobradas do governo. Como a taxa de juros que o governo paga baliza as demais taxas de juros da economia, juros menores vão estimular o consumo privado, o investimento e o crescimento econômico”, analisa Aldrighi. 

Novas políticas

Recentemente, algumas reformas econômicas passaram a ser elaboradas pelo novo governo, sendo possível notar que os projetos do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária ganharam destaque nas discussões econômicas nacionais. Dante Aldrighi comenta que, antes de analisar os impactos que essas medidas possam apresentar, é importante reconhecer a funcionalidade de cada uma delas. 

O novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023) apresenta-se como um conjunto de regras para disciplinar os gastos públicos e comprometer o governo com a responsabilidade fiscal, assim, ele estipula um piso e um teto para o crescimento das despesas públicas, além de estabelecer metas para o resultado fiscal primário. “As despesas em termos reais podem crescer 0,6% ao ano, mas não podem ultrapassar 2,5%, ou seja, o arcabouço tem um caráter anticíclico no que se refere às despesas públicas. Em momentos de expansão econômica, as despesas reais podem crescer no máximo 2,5% e, em período de recessão, podem crescer 0,6%”, explica o professor. 

Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) promove audiência pública interativa para instruir o PLP 93/2023, que trata do novo arcabouço fiscal – Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

 

Além disso, os gastos do governo não podem crescer mais do que 70% do aumento nas suas receitas ordinárias. As metas estabelecidas para o resultado primário nacional são positivas, prevendo a eliminação do déficit primário em 2024 e reversão para um superávit primário de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026. “O objetivo dessas regras é tornar crível o comprometimento do governo com equilíbrio fiscal e com a sustentabilidade da trajetória da dívida pública, reduzindo, com isso, o prêmio de risco e os juros pagos pelo governo.”

Enquanto isso, a PEC (PEC 45/2019) da reforma tributária refere-se apenas aos impostos sobre consumo. Segundo o especialista, a atual legislação sobre impostos indiretos é muito complexa, com muitas exceções, regressiva, gera ineficiências e fomenta litígios contra contribuintes. “Ela é regressiva, entre outros fatores, porque serviços, que têm um peso maior no orçamento das pessoas mais ricas, pagam alíquotas menores do que bens, que são consumidos em proporção maior da renda pelos mais pobres […] Ela é ineficiente porque a multiplicidade de alíquotas, inclusive para produtos semelhantes, força as firmas a desviarem recursos das atividades-fim para gastos com conformidade tributária, planejamento tributário e formas criativas de evasão fiscal”, declara.

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Elogios e críticas à proposta do novo “arcabouço fiscal”

De maneira geral, a proposta pretende tornar o sistema tributário mais simples e eficiente por meio da criação de dois únicos impostos sobre valor agregado — um deles é a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que vai substituir PIS, Cofins e IPI, e o outro é o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que vai substituir o ICMS e o ISS. 

Com isso, a simplificação do sistema tributário geraria ganhos de produtividade, maior eficiência microeconômica e crescimento econômico. “Haveria uma redução nos gastos com conformidade tributária, nas manobras de planejamento e evasão tributárias e nos litígios fiscais. Além de eliminar a guerra fiscal entre Estados, uma vez que os impostos vão passar a ser cobrados no destino”, complementa o especialista.

Diferentes ramificações podem ser trabalhadas a partir dos dois projetos, que ainda precisam percorrer um longo caminho até a sua aprovação. Em suma, segundo o professor, se os objetivos do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária não forem desvirtuados, a implementação de ambos proporcionaria juros e inflação baixos, ganhos de eficiência e produtividade e maior crescimento econômico. 

Futuro

Por fim, o professor aponta que os subsídios governamentais devem ser utilizados estritamente para atividades com retornos sociais inquestionáveis e para atividades que, sem a utilização deles, não seriam oferecidas pelos mercados. “De modo geral, quaisquer propostas de políticas públicas devem ser baseadas em evidências de custos e benefícios sociais e comparadas com alternativas. Por sua vez, uma vez implantadas, devem ser objeto de permanente monitoramento”, comenta. 

Assim, a concessão de subsídios para a compra de carros populares novos, caminhões e ônibus — com um custo estimado de R$ 800 milhões – é uma das políticas da atual gestão governamental que não vão de encontro com o planejamento econômico esperado, já que a maioria desses carros não foi adquirida por pessoas pobres, é poluente e não contribui com a mobilidade urbana. 

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*Estagiária sob a supervisão de Paulo Capuzzo


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