Imunização nas escolas tem potencial para cessar a queda nos índices de vacinação no Brasil

“Com isso o Brasil alcançaria os altos índices de vacinação, como sempre teve em sua história”, garante Jorge Kalil, médico especializado em imunologia

 23/10/2023 - Publicado há 6 meses
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Doenças que anteriormente haviam sido erradicadas do País por conta de vacinas estão correndo o risco de voltar – Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
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O Instituto Locomotiva, a pedido da farmacêutica Pfizer, publicou a pesquisa Escola: Uma Aliada da Vacinação Infantil, a qual indicou que 76% das mães brasileiras consideram a escola como o melhor ambiente para a vacinação de seus filhos. O estudo observou como o colégio pode ajudar na imunização e os desafios para aqueles indivíduos mais vulneráveis.

De acordo com a pesquisa, seis em cada dez mães já atrasaram a vacinação dos filhos ou deixaram de imunizá-los por motivos diversos: falta de tempo, local da aplicação, distância ou perda de carteirinhas. O estudo contou com a participação de 2 mil mães de infantojuvenis com idade até 15 anos.

O médico Jorge Kalil, professor do curso de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), comenta: “A ideia de vacinar nas escolas é ótima, evita que os pais, às vezes atarefados, precisem levar os seus filhos nos postos de saúde. Nós temos que criar condições para que isso ocorra, isso não é difícil para um Estado como São Paulo”.

Programa Nacional de Imunizações

Em 1973, o Ministério da Saúde formulou o Programa Nacional de Imunizações (PNI), a fim de estruturar as ações de imunizações no Brasil. Até então, essas operações tinham, por característica, o fato de serem desorganizadas, descontínuas e possuírem uma baixa área de cobertura. Dois anos depois, o plano foi institucionalizado, resultado de fatores nacionais e internacionais. O programa foi responsável por erradicar doenças como varíola e poliomielite; além disso, soma-se o controle de patologias imunopreveníveis: coqueluche, tétano acidental, meningites, hepatite B, febre amarela e outras mais.

Jorge Kalil – Foto: LinkedIn

Atualmente é parte integrante do Programa da Organização Mundial da Saúde, com apoio da Unicef, e contribuições do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Vale destacar também que o PNI oferece todas as vacinas de forma gratuita para 100% da população brasileira. 

“O Brasil, desde a criação do Programa Nacional de Imunizações, há exatos 50 anos, teve uma grande adesão aos programas de vacinas para crianças e adultos. Isso se manteve em crescente até o início dos anos 2000 e a gente começa a observar uma diminuição a partir de 2014, se acentuando bastante depois de 2019”, afirma o médico.

Queda nos índices

Segundo o Instituto Butantan, doenças que anteriormente haviam sido erradicadas do País por conta de vacinas estão correndo o risco de voltar devido a uma queda acentuada na cobertura vacinal nos últimos dez anos. Sarampo e poliomielite são algumas das doenças potencialmente fatais, que estão deixando a população mais vulnerável, em especial as crianças.

Espera-se que o Brasil possua um índice de vacinação acima de 90%, idealmente, contudo, desde 2012, as taxas brasileiras têm ficado abaixo desse valor. No ano de 2022, conforme o Datasus do Ministério da Saúde, o número foi de apenas 60,7%, atingindo um dos menores índices da história recente do País.

“O Brasil, em 2010, não teve nenhum caso de sarampo, nós achávamos que tivéssemos erradicado a doença. Porém, em 2018 nós tivemos uma das maiores estatísticas do mundo em número de casos de sarampo, com mais de 10 mil ocorrências.” Kalil complementa que o baixo índice de vacinação é preocupante para o futuro e o presente do País. 

Motivos para queda da vacinação infantil

O levantamento realizado pela Pfizer constatou que existe uma falha na comunicação com o público, com apenas 24% das entrevistadas respondendo que possuem um elevado conhecimento sobre o tema vacinas. Quase metade das mães respondeu que a desinformação acerca do calendário de vacinação é o principal empecilho para garantir a cobertura vacinal completa. 

De acordo com o especialista, houve uma diminuição na publicidade do governo federal para as campanhas de vacinação, por conta da nova dinâmica na comunicação social. Ele diz que o foco deve ser nos meios de comunicação que as pessoas mais jovens utilizam, para que, dessa forma, seja divulgado amplamente os riscos, perigos e as vantagens da vacinação.

Outro motivo para tal realidade é a sobrecarga materna, que propicia uma dificuldade para gerenciar a carteirinha de seus filhos. Segundo o estudo, 56% das mães relatam que acabam esquecendo as datas de vacinação dos filhos por causa das demandas do dia a dia. Além disso, quase 30% afirmam que sua vacinação pessoal também está desatualizada.

O médico aponta como uma razão fundamental o fato de os pais da última geração acreditarem que essas enfermidades não existem mais, portanto, não levarem as crianças para vacinar: “Muitos dos jovens que estão tendo filhos agora não tiveram, por exemplo, sarampo e jamais viram um caso dessa doença”.

Além do mais, o número de indivíduos antivacinas cresceu nos últimos anos, especialmente após a pandemia, e com isso a taxa de vacinação diminuiu proporcionalmente. “Por razões que nós não conseguimos decifrar, mas a gente sabe que são muito bem financiados, eles são contra a vacinação, fazem propagandas contra ela e isso faz com que as pessoas fiquem com medo de eventualmente imunizar as crianças”, discorre Kalil.

Uma das principais causas levantadas pela pesquisa é a desigualdade socioeconômica persistente no Brasil. Mulheres negras, de classe econômica mais vulnerável ou com filhos estudantes de escolas públicas possuem o problema acentuado, ao passo que somente 18% das pessoas pertencentes às classes D/E consideram possuir um alto conhecimento sobre as vacinas.  

Segundo dados oficiais do governo, as regiões Norte e Nordeste possuem as cidades com menores índices de IDH no País. Diante disso, a pesquisa apontou diferenças consideráveis nas respostas das mães que moram nessas regiões. Por exemplo, 51% das nortistas entrevistadas relataram que perdem um dia de trabalho para conseguir vacinar a criança, enquanto, na amostra total, 45% apresentaram essa experiência.

Espera-se que o Brasil possua um índice de vacinação acima de 90%, contudo, desde 2012, as taxas brasileiras têm ficado abaixo desse valor – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Aplicação nas escolas 

Conforme o levantamento, cerca de nove em cada dez mães acreditam que o acesso à vacinação infantil será facilitado, caso seja realizada, também, nas escolas. Elas apresentam o desejo de que o colégio as ajude a lembrar das doses previstas pelo calendário e que envie mais comunicados sobre as vacinas. Vale ressaltar que a taxa é superior no grupo das mães negras, o que ajuda a evidenciar a desigualdade existente. Entre as vantagens dessa prática, a grande maioria das mulheres aponta que isso iria ajudar na redução do deslocamento e, consequentemente, nos gastos associados ao trajeto. 

Outrossim, 81% das mães se mostraram seguras com a imunização no ambiente escolar, caso soubessem da qualificação profissional dos aplicadores. Dessa maneira, o Ministério da Saúde orienta que ocorra uma ação pedagógica e uma divulgação acerca da importância dessa medida antes do início do programa. Por outro lado, o especialista explica que, caso os pais recusem a vacinação de seus filhos na escola, eles devem assinar e enviar um termo de recusa.

A realidade brasileira

Nos Estados do Amazonas e do Acre, desde junho, existe a possibilidade da imunização nas escolas, além dos postos de saúde. Da mesma forma, em meados deste ano, foi lançado um projeto de vacinação escolar no Rio de Janeiro, que, em apenas um mês, aplicou 28 mil doses em mais de mil escolas da capital.

Após vetar projeto que previa ampliar prevenção contra o HPV, o governador de São Paulo, no dia 30 de setembro, se reuniu com o prefeito da capital e anunciou uma campanha estadual de multivacinação nas escolas para crianças e adolescentes de até 15 anos. Até o final do mês de outubro será feita uma busca para identificar atrasos nas carteiras de imunização. Covid-19, febre amarela, HPV, tríplice viral e pentavalente são algumas das doenças que terão vacinas oferecidas.

A campanha Vacina 100 Dúvidas rendeu ao Estado uma homenagem, ocorrida no mesmo dia do anúncio do projeto, da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS). O site Vacina 100 Dúvidas, do governo de São Paulo, oferece informações que combatem fake news sobre imunização, reunindo as 100 perguntas mais buscadas na internet sobre o assunto.

Sob supervisão de Paulo Capuzzo


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