Futuros médicos precisam ter tolerância zero para álcool e drogas

João Paulo Lotufo confessa se sentir incomodado quando alunos de Medicina defendem o uso recreacional das drogas, sejam estas maconha ou álcool

 23/10/2023 - Publicado há 6 meses
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Quando eu falo de drogas para alunos ou residentes, sempre há aqueles que discordam da minha posição de tolerância zero para o álcool até os 18 – deveria ser até os 21 anos – e tolerância zero para tabaco, maconha ou outras drogas. Certa vez eu convidei o professor doutor Valentim Gentil, na época professor titular da Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, para palestrar sobre os malefícios da maconha na reunião clínica da Pediatria no Hospital Universitário. Durante sua fala, um aluno do 5º ano pediu a palavra e debochadamente falou o seguinte: “O senhor só fala que a maconha faz mal, mas o açúcar também faz mal e eu não ouvi o senhor falar nada sobre o açúcar”. Lógico que a intenção do aluno era derrubar o professor titular, mas o doutor Valentim pensou e sabiamente respondeu. “Meu filho, não falei nada sobre o açúcar porque eu nunca vi alguém ter surto psicótico ou esquizofrenia após ingerir açúcar”, e continuou a sua brilhante palestra sobre os malefícios possíveis da maconha, relatando aí o surto psicótico, a esquizofrenia e a lesão cerebral irreversível que ela pode causar.

No meu grupo de tratamento de tabagismo discutimos muito o uso do cigarro avulso, que geralmente vem por contrabando do Paraguai etc., e esse é um fator de manutenção do cigarro dessa turma que está parando de fumar. Eu acompanhei nesses 39 anos de HU uma família cuja matriarca era “mula” e trazia drogas de Santos para a favela ao lado. Como ela era terrível, arrumando muita encrenca com os residentes, passei a atendê-la e passei a ver todos os seus cinco filhos, a maioria com asma, e acompanhei durante 20,  25 anos, a vida dessa família. Ela me disse certa vez que tinha jogado no bicho e eu perguntei que número que você jogou? E ela falou: o final da placa do seu carro!

Todo mundo fica preocupado com isso, mas eu me senti seguro, porque era amicíssimo dela. Certa vez, ela me procurou para dizer que gostaria de sair dessa vida perigosa e foi trabalhar num programa social que eu dirigia, mas não conseguiu permanecer devido à diferença de ganhos entre um serviço e outro. Infelizmente me procurou recentemente pedindo receitas para medicação para asma, pois seu filho, agora com 21 anos, estava preso por estar guiando um carro roubado. Há muita dificuldade dessa turma sair dessa vida ou dos jovens não entrarem nessa vida, mas não é impossível, eu conheço vários trabalhos sociais que tentam diminuir esse risco, alguns através de esportes, outros pela cultura, outros por atividades sociais .

O que mais me incomoda são alunos de Medicina com quem tenho contato que defendem o uso recreacional das drogas, quer seja maconha, álcool em  excesso etc. As drogas têm alguma passagem pelas facções ou milícias que lutam pelos pontos de venda e foi uma dessas facções a responsável pelo assassinato dos três ortopedistas no Rio de Janeiro. Pensemos um pouco: o uso recreacional das drogas também sustenta as facções e usuários recreacionais também passam a ser corresponsáveis pelos últimos acontecimentos. Aquele que está tentando parar de fumar e compra cigarros avulsos idem. Meus pacientes do grupo para parar de fumar estão refletindo muito sobre o cigarro avulso, mas os usuários de outras drogas acho que ainda não.
Pensemos e reflitamos.


Dr. Bartô e os Doutores da Saúde
A coluna Dr. Bartô e os Doutores da Saúde, com o professor João Paulo Lotufo, vai ao ar quinzenalmente, segunda-feira às 9h, na Rádio USP (São Paulo 93,7 ; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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