Desenvolver Banco Nacional Unificado é necessário para busca de pessoas desaparecidas

Segundo especialistas, o desfecho das buscas é essencial para a qualidade social e psicológica dos familiares de desaparecidos

 19/06/2023 - Publicado há 10 meses
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Mais de 200.000 pessoas desapareceram no País entre os anos de 2019 e 2021 – Foto: Flickr
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No Brasil, uma pessoa desaparecida pode ser classificada como “todo ser humano cujo paradeiro é desconhecido, não importando a causa de seu desaparecimento, até que sua recuperação e identificação tenham sido confirmadas por vias físicas ou científicas”, segundo a Lei Federal nº 13.812/2019. Para denunciar um desaparecimento, não é necessário esperar nenhuma margem temporal e, quanto mais rápido o caso for apresentado a uma Delegacia de Polícia, maiores são as chances para encontrar o indivíduo. 

Segundo uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 200.577 pessoas desapareceram no País entre os anos de 2019 e 2021. Esse valor representa uma média de 183 desaparecimentos por dia e, desses, apenas 112.246 foram registrados como localizados. O relatório revelou o perfil dos desaparecidos, sendo possível observar que cerca de 62,8% deles são homens, 29,3% são adolescentes de 12 a 17 anos, — nota-se que a taxa de adolescentes desaparecidos é 2,8 vezes maior que a média nacional — e 54,3% são representados por pessoas negras. 

O Distrito Federal é o estado brasileiro que apresenta a maior taxa de desaparecidos no, seguido pelo Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Em número brutos, São Paulo foi o Estado que contou com o maior volume de desaparecimentos, com cerca de 18.900 apenas em 2021. Entre os diferentes problemas associados à busca por pessoas desaparecidas no país, a formação precária de informações se destaca, exemplo disso é o fato de cerca de 25,7% dos registros não possuírem informações sobre o perfil étnico racial das vítimas. 

Outra informação importante sobre os desaparecidos brasileiros é o fato de que, apesar da população negra representar 54,3% desses números, apenas 45,1% são localizados — a maioria dos encontrados é da cor branca (cerca de 54,1%)  —, revelando que esses números apresentam relação também com a desigualdade social. 

Desafios 

Segundo Talita Nascimento, graduada em gestão de políticas públicas pela USP e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, quando discutimos a questão de pessoas desaparecidas no Brasil, existem algumas questões que dificultam a localização desses sujeitos. “Primeiro, que o desaparecimento não constitui crime, então é difícil você começar a investigação. Segundo, que a gente não tem as espécies do desaparecimento e a gente sabe que ele é envolto de várias circunstâncias”, comenta a especialista. 

Talita Nascimento – Foto: Linkedin

Assim, é possível que o desaparecimento tenha ocorrido por questões familiares, por desastres naturais ou por acidente de trânsito, além disso, pode ocorrer do indivíduo ter sido vítima de crimes como homicídio, feminicídio, sequestro, entre outros. Talita reflete ainda que, em alguns casos, o desaparecido pode ser portador de alguma doença mental e não sabe como retornar para casa. “A gente não sabe se o desaparecimento é voluntário ou se tem questões correlatas e isso acaba dificultando a investigação”, explica. 

Outra questão que atrapalha a busca de pessoas desaparecidas é a ausência de um Procedimento Operacional Padrão (POP); dessa forma, ele costuma ser feito de forma particular, dependendo da análise dos policiais que estão envolvidos em cada um dos casos. A especialista comenta que, em casos de desaparecimento, existem três perfis prioritários: as crianças, os idosos e as pessoas portadoras de doenças mentais, apenas para esses casos há a existência de um procedimento com maior atenção. 

Em 2019, o Banco Nacional Unificado de Pessoas Desaparecidas passou a ser previsto pela Lei 13.812/2019. Talita discorre que a sua criação já representa um avanço, mas, para ser efetiva, é necessário que saia do papel. Assim, nota-se que hoje, em um primeiro momento, a investigação fica a cargo da família que passa a visitar os IMLs para um possível reconhecimento do corpo, passa a comparecer a hospitais para analisar se houve a entrada de um corpo não identificado, procura pela assistência social e divulga as buscas pelas redes sociais.  

Políticas públicas 

Atualmente, o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (SINALID) é a política pública mais recente na busca por pessoas desaparecidas. Esse sistema é gerido pelo Conselho Nacional dos Ministérios Públicos e representa um banco de dados que é alimentado pelos registros de ocorrências. Talita comenta que, para garantir o funcionamento desse projeto, é necessário que os boletins de ocorrência sejam preenchidos com cuidado, de forma que individualizem cada um dos sujeitos, com informações como: cicatrizes, marcas de nascença, tatuagens, piercings, entre outros.

“É preciso um Cadastro Unificado que junte todas as informações e não adianta nós termos uma única base de dados gigantesca se ela não for bem preenchida. Isso não resolve o problema”, explica a pesquisadora. A atualização desse sistema é necessária para que o cruzamento de informações seja passível de realização, além disso, faz-se necessária também a capacitação de policiais em todas as delegacias. 

Para que o cenário atual tenha uma melhora prática, é necessário que as políticas públicas saiam do papel e passem a funcionar de maneira ativa nas buscas. “Para além da lei virar uma política pública, a gente precisa ter a definição das espécies de desaparecimento, já que ele não é motivado por uma única causa”, reforça Talita. 

Assim, com as devidas mudanças, seria possível trabalhar não só nas buscas por esses indivíduos, mas também na prevenção de tais ocorrências. Desse modo, os familiares também contariam com a presença de um desfecho nas buscas por entes queridos, uma vez que a falta de respostas, em muitos casos, é alongada por anos. 

É também importante que, caso as pessoas retornem para suas casas, a família reapareça na delegacia para realizar o registro de localização, já que, sem ele, o indivíduo continua presente nas estatísticas de pessoas desaparecidas mesmo já tendo sido encontrado. 


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