A ética tem valor absoluto?

Para Renato Janine, a ética só tem sentido quando é prescritiva, ou seja, quando ela é impositiva

 13/09/2023 - Publicado há 8 meses
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Afinal de contas, os valores éticos são absolutos?  Para Renato Janine Ribeiro, essa é uma questão muito importante, há uma tendência grande, sobretudo nos meios mais religiosos, a considerar que os valores éticos são absolutos, isto é, que não são relativos, ou seja, que não mudam conforme o tempo, conforme o grupo social, conforme a cultura. Por outro lado, constatam-se  mudanças nesses valores; por exemplo, a escravidão já foi aceita como algo que não era antiético, hoje, para nós, é escandaloso. A dupla moral pela qual o homem tinha direito de fazer coisas que as mulheres não teriam, por exemplo, uma vida sexual fora do casamento, já foi normalizada e hoje é uma coisa que desperta muita repulsa e é considerada antiética. Nesse sentido, a gente tem argumentos para dizer que a ética muda conforme os tempos, conforme os grupos sociais – aquilo que é aceito no mundo islâmico não é aceito no mundo mais leigo ocidental e que as mudanças tornariam a ética relativa.

Por outro lado, se a ética é relativa, ela perde uma característica muito importante dela, que é ser prescritiva. Vejam bem, eu posso dizer que é uma ética descritiva quando eu simplesmente descrevo um tipo de conduta. Por exemplo, quando alguém fala que a ética do bandido inclui, por exemplo, tratar mal, eventualmente até matar quem estuprou mulher, quem abusou sexualmente de criança. Essa é apenas uma descrição de um modo de conduta, não é ética no sentido de que isso seja certo,  errado ou recomendado, é apenas um modo de conduta que inclusive tem um elemento extremamente odioso, porque aplica violência com muita crueldade para crimes que certamente merecem repulsa, mas que são de menor poder destrutivo do que, por exemplo, torturar uma pessoa até a morte, coisa que na ética dos bandidos é aceita.

Então, nós podemos dizer que existe uma ética descritiva quando apenas descrevemos o modo de conduta, mas geralmente, pela palavra ética, entendemos algo que não é descritivo, mas prescritivo, uma determinação de que seja correto agir de determinada forma e errado ou incorreto, ou injusto, agir da forma oposta. Se a gente quer levar a palavra ética a sério, com rigor mesmo, ela só tem sentido quando ela é prescritiva, quando ela é impositiva. E aí volta o problema: e essas mudanças ao longo dos tempos, o que significam? E aí nós temos duas tendências: uma tendência é a gente pegar o que foi feito no passado e dizer “era naquele tempo, naquele tempo era assim”. Naquele tempo, por exemplo, piadas grosseiras sobre negros, sobre gays, sobre mulheres eram correntes, então tudo bem, tem que relativizar, porque era naquele tempo.

Outra ideia é: já estava errado, então, nós vamos censurar,  condenar, criticar as pessoas que fizerem isso. Muito difícil dar uma resposta para essa pergunta, que é muito importante, e que tem efeitos decisivos na discussão política hoje. Nos Estados Unidos, está sendo muito debatida a ideia de retirar nomes de quem foi dono de escravos de logradouros públicos; acontece que os primeiros presidentes dos Estados Unidos, todos eles foram donos de escravos. Então, você vai tirar o nome de George Washington, vai tirar o nome de Washington da capital dos Estados Unidos, de um Estado também que fica na costa do pacífico, vai retirar o nome de Thomas Jefferson, que foi um dos mais democráticos, mais progressistas presidentes dos Estados Unidos? Porque não só ele teve escravos, mas ainda teve uma vida sexual com uma escrava e parece que ele deixou os filhos que nasceram dessa relação serem escravos também, sem lhes dar a liberdade, que é uma coisa absolutamente odiosa em nossos tempos, mas que emana justamente um dos nomes mais respeitados pelas ideias progressistas na independência americana.

Não faz muito sentido a gente julgar hoje, por exemplo, Jefferson, Washington, ou mesmo a princesa Isabel, que só aderiu à abolição da escravatura bem no final do império. Não faz muito sentido porque não tem efeito nenhum. O que adianta eu dizer que eles eram antiéticos? Devemos ser rigorosos nos tempos de hoje e devemos pensar também que é da natureza da ética querer mais, querer cada vez uma conduta mais ética.


Ética e Política
A coluna Ética e Política, com o professor Renato Janine Ribeiro, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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