Eticamente, é importante reconhecer o direito da mulher ao aborto

Renato Janine entende que a criminalização do aborto não funciona no Brasil e que o peso da decisão sobre a prática não pode recair unicamente sobre a mulher

 27/09/2023 - Publicado há 7 meses
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O assunto está em julgamento no Supremo Tribunal Federal e é possível que ele acabe descriminalizando a prática do aborto,  reconhecendo como um direito constitucional da mulher o direito a abortar dentro de um prazo razoável, que a ministra Rosa Weber no seu voto fixou em 12 semanas, como adotado em muitos países. Como nem sempre a mulher percebe muito cedo que está grávida, prazos mais curtos – como de seis semanas, que está sendo fixado em alguns Estados muito conservadores dos Estados Unidos – podem transcorrer antes sequer que a mulher perceba que está gestando.

Do ponto de vista ético, em primeiro lugar, é preciso deixar claro que ninguém está defendendo o aborto. Eu conheço pessoas que defendem o direito ao aborto. Defender o aborto seria praticamente fazer uma pregação, uma defesa de que as pessoas abortem, o que eu não vi fazerem. O que acontece é que têm pessoas que decidem abortar por várias razões; algumas delas podem ser até alvo de uma política pública, como, por exemplo, se a mulher percebe que não tem condições econômicas de criar o filho que vai ter. Então, se houver políticas que defendam de alguma forma um amparo para ela, isso pode afetar sua decisão. Porém, é preciso  deixar claro que a proibição, a criminalização não funciona. Na verdade, a criminalização no Brasil é relativamente baixa. Está na lei a proibição do aborto, mas, segundo dados que foram passados pelo professor Júlio Feijão, da rede pública do Estado do Ceará, há dois ou três anos havia 77 pessoas no Brasil presas pela prática de aborto.

Não estava claro se eram médicos, se eram mulheres, mas, de qualquer forma, numa população carcerária de 800 mil, isso significa uma pessoa presa por aborto a cada 10 mil presos. É muito pouco. A punição de fato ocorre relativamente pouco, mas o problema é que há todo um sistema que impede, por exemplo, a prática de aborto em condições hospitalares decentes, uma vez que ele é feito sempre de forma clandestina, geralmente pago. Quando a pessoa não tem dinheiro, as condições são ainda mais precárias e o número de mortes em decorrência do aborto não deve ser pequeno. Então, a questão não é tanto se vamos punir ou não, é se vamos ou não reconhecer nas mulheres o direito de, em condições muito difíceis, suspenderem a gravidez – coisa que é adotada em países desenvolvidos há meio século ou às vezes até mais. Na França foi na década de 1970, nos Estados Unidos recentemente houve um retrocesso.

E o que se deve fazer? Quem é contra o aborto, que é basicamente a quem eu estou dirigindo as reflexões, a primeira questão é o que eu disse sobre favorecer políticas de amparo a mulheres que efetivamente não queiram interromper a gravidez e que só o fazem por carência econômica; o segundo ponto é o apoio às mulheres que estão sendo penalizadas, de alguma forma, por uma gravidez indesejada,  porque o namorado largou, porque o companheiro abandonou, porque a família repudiou saber que a filha está grávida sem estar casada. Eu acho que introduzir uma ação nesses campos seria muito positivo. Poderá reduzir o número de abortos, mas isso só vai acontecer se o direito da mulher ao aborto for reconhecido. Se isso não acontecer, simplesmente vai se jogar o ônus em cima dela, como já acontece há muito tempo, e vai haver, se não a punição legal mediante prisão, pelo menos uma série de impactos muito grandes. Inclusive, eu já soube de histórias de chantagem por parte de maus policiais sobre pessoas que teriam abortado. É por isso que é importante, eticamente, reconhecer o direito da mulher ao aborto.


Ética e Política
A coluna Ética e Política, com o professor Renato Janine Ribeiro, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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