Sociedade em Foco #177: “Você não consegue melhorar a vida dos mais pobres sem mudar o processo de apropriação de riqueza”

José Luiz Portella comenta fala do presidente da Argentina sobre regimes associados à distribuição de renda

 23/01/2024 - Publicado há 4 meses
Momento Sociedade - USP
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Sociedade em Foco #177: “Você não consegue melhorar a vida dos mais pobres sem mudar o processo de apropriação de riqueza”
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Javier Milei, atual presidente da Argentina, no Fórum Econômico Mundial em Davos, na última quarta-feira (17), fez declarações equivocadas a respeito da expansão do socialismo. “Ele faz um ataque ao que ele chama de coletivismo que, na verdade, ele está mirando o socialismo, o comunismo, e mirando os regimes sociais-democratas que tenham uma visão social de distribuição de renda”, explica o professor José Luiz Portella, doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Ao criticar esses regimes, Portella reforça que Milei se equivoca diversas vezes ao contextualizá-los, principalmente quando comenta o desenvolvimento no período pós-Segunda Guerra Mundial.

Equívocos

O professor comenta que esse foi um dos períodos em que o mundo mais cresceu com a presença da distribuição de renda. O estabelecimento do welfare state, no qual o Estado assume um papel muito forte como agente da promoção social e organizador da economia, foi extremamente necessário: “Era uma devastação, uma destruição total da Europa, foi um negócio assim assustador. Raramente havia uma família que não tinha nenhuma perda: faltou comida, milhões mortos, foi aquela coisa da bestialidade da guerra”, comenta Portella.

Inclusive o plano Marshall — série de ajuda dos Estados Unidos para a reconstrução de países aliados na Europa pós-Segunda Guerra Mundial — “não foi uma recuperação comunista, pelo contrário, com o medo que se tinha do comunismo na época, por parte dos Estados Unidos, criou-se um plano de ajuda. Ele botou dinheiro na recuperação da Europa exatamente para combater o comunismo que vinha da Rússia”.

Acúmulo de riquezas

A carta intitulada Proud to Pay More foi assinada por mais de 250 bilionários e milionários e entregue aos líderes dos países presentes no Fórum em Davos. Sua principal reivindicação é a de que os signatários sejam taxados com impostos proporcionais às suas riquezas: “Isso não vai alterar fundamentalmente o nosso padrão de vida, tampouco prejudicar nossas crianças ou afetar as economias de nossas nações”, diz a carta. Portella diz que essas pessoas atingiram tal ponto de patrimônio de riqueza que a taxação, por maior que seja, não vai mudar a vida deles, porque eles têm muito, mas vai mudar a vida de quem está embaixo se for aplicada a programas sociais realmente eficazes.

“Tem muita gente que vai falar ‘ah, a questão não é combater os ricos, é melhorar a vida dos pobres’, mas você não consegue melhorar a vida dos mais pobres, principalmente dos que estão na extrema pobreza, sem mudar o processo de apropriação de riqueza. Não dá para você ter um crescimento sem que haja um processo de distribuição de renda”, acrescenta.


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