O Teatro Aliança Francesa, em São Paulo, apresenta Dois Perdidos Numa Noite Suja – Delivery, com texto original do dramaturgo santista Plínio Marcos (1933-1999) e direção de José Fernando Peixoto de Azevedo. A nova montagem, que acrescenta camadas e assuntos atuais à obra de Plínio Marcos, foi idealizada por alunos da Escola de Arte Dramática (EAD) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
Escrita e encenada pela primeira vez em 1966, Dois Perdidos Numa Noite Suja marcou a estreia profissional de Plínio Marcos no teatro. Ao longo das décadas de 1960 e 1970, em meio à ditadura militar, o dramaturgo foi autor de textos que abordavam e denunciavam o tema da marginalidade. Agora, em 2023, o texto assume novos significados e contextos na montagem de Azevedo, mesmo sendo reproduzido na íntegra. “Uma palavra, duas frases foram cortadas, mas todo o empenho está em arrancar essa leitura da peça de Plínio Marcos, como uma atualidade que é dela”, ressalta o diretor.
O trabalho surgiu como um projeto extracurricular na EAD em 2022, quando dois estudantes, interessados no texto de Plínio Marcos, convidaram Azevedo para dirigir o projeto. “Num primeiro momento, os encontros foram bastante pontuais, no sentido de entender lidas possíveis com o texto. Minha premissa, sempre que trabalho com um clássico, é que, se vou a um clássico, é porque ele tem aquilo que quero ver na cena”, conta Azevedo.
A primeira montagem da peça, em 1966, ocorreu no Bar Ponto de Encontro, na Galeria Metrópole, em São Paulo, e acompanhou os diálogos e conflitos motivados pela dura sobrevivência de Tonho (Ademir Rocha) e Paco (Plínio Marcos), com direção de Marcos e Benjamin Cattan.
Um ano depois, outra montagem foi realizada, dessa vez no Rio de Janeiro, com interpretação de Nelson Xavier e Fauzi Arap, que também dirigiu o espetáculo. O texto ganhou ainda duas adaptações cinematográficas: uma por Braz Chediak, em 1970, e outra por José Joffily, em 2002 – esta com a atuação de Débora Falabella e Roberto Bomtempo.
Em Dois Perdidos Numa Noite Suja – Delivery, a narrativa reforça seu caráter atemporal ao reproduzir a originalidade de Marcos sob cenários e temáticas comuns à sociedade de 2023. Na nova montagem, Tonho (Lucas Rosário) é um jovem negro que divide uma residência estudantil com Paco (Michel Pereira), um jovem branco. Ambos são periféricos e enfrentam dificuldades em relação à permanência na universidade, sustentando-se através de seu trabalho como entregadores delivery.
Azevedo conta que o trabalho não é exatamente o de adaptar a escrita original. Não se trata de uma modernização ou atualização da obra de Marcos, mas sim de tentar, através do próprio texto, reforçar uma atualidade que já existia nele, diz. “Saltou aos olhos um desdobramento daquelas vidas um tanto suspensas, um tanto interrompidas. Sem que isso implicasse mexer no texto, num primeiro momento, nos perguntamos como seria transpor aquela cena para um contexto estudantil”, explica o diretor.
Inicialmente, a peça seria realizada em uma cozinha desativada do Conjunto Residencial da USP (Crusp), alojamento estudantil da Universidade. Por questões de produção e continuidade do trabalho, a equipe desistiu da ideia e decidiu seguir com a produção em um espaço externo à Cidade Universitária. Os ensaios retornaram no primeiro semestre de 2023 já no Teatro Aliança Francesa, onde a peça está em exibição.
A sugestão de transformar os protagonistas em entregadores delivery foi de Michel Pereira, produtor executivo e intérprete de Paco, o que foi crucial para os rumos do projeto. “A decisão de transposição radical veio nesse processo: dois estudantes chegando na universidade, vindos da periferia, divididos entre o cotidiano de uma universidade que não se preparou para sua chegada, por um lado, e uma luta sem trégua para sobreviver ao trânsito, muitas de horror, entre viração e sonho – um trânsito que já não se confunde com mobilidade social, nos termos que aprendemos a imaginar”, comenta Azevedo.
Para o diretor, a peça traz imagens de uma precarização total da vida, de modo a contemplar diversas dimensões e temáticas pertinentes à humanidade há tempos. “Expectativas de mobilidade social frustradas numa sociedade em que o horizonte é sem promessas, a convivência inter-racial e os impasses do reconhecimento e a sexualidade vivida como uma aprendizagem difícil são aspectos que emergem na cena”, elenca.
O espetáculo é totalmente encenado em um único quarto, habitado pelos personagens. Há também a presença de uma câmera, com imagens captadas ao vivo e gravadas, técnica comum no trabalho de Azevedo. Para o diretor, a linguagem cinematográfica é decisiva como maneira de perspectivar a cena. “Nesse caso, a experimentação é menos em termos de linguagem, mas, antes, um desdobramento narrativo da cena. Seja produzindo imagens que desdobram momentos do texto de Plínio – o universo do trabalho, dos encontros –, seja dando a ver, dos corpos em cena, aquilo de que a intensidade das palavras parece fugir.”
A peça Dois Perdidos numa Noite Suja – Delivery fica em cartaz até 26 de novembro, aos sábados, às 20h30 e, aos domingos, às 18h30, no Teatro Aliança Francesa ( Rua General Jardim, 182, Vila Buarque, em São Paulo). Os ingressos são vendidos a R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia-entrada). Duração: 90 minutos. Os ingressos podem ser adquiridos virtualmente ou na bilheteria, uma hora antes dos espetáculos. Mais informações estão disponíveis no site da Aliança Francesa.
- Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro