Revista “Babel” aborda a cultura e a sociedade da América Latina

Com texto sobre os 50 anos do golpe militar no Chile, publicação de alunos de Jornalismo da USP está disponível na internet

 15/02/2024 - Publicado há 3 meses
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A América Latina é abordada na revista Babel do ponto de vista decolonial, segundo o professor Alexandre Barbosa, que orienta os alunos na produção da publicação – Fotomontagem do Jornal da USP – Imagens: Biblioteca del Congreso Nacional de Chile/Wikipedia/CC BY 3.0, Museo de la Memoria y los Derechos Humanos/Wikipedia/CC BY 3.0, Reprodução/revista Babel e Eduardo Francisco Vazquez Murillo/Flickr/CC BY-SA 2.0

 

Os 50 anos do golpe militar no Chile, que levou ao poder o general Augusto Pinochet, são tema de capa da nova edição da revista Babel, produzida por alunos do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Com 50 páginas, a publicação está disponível gratuitamente, na íntegra, neste link.

O professor Alexandre Barbosa – Foto: Arquivo pessoal

Criada em 1997 como um periódico impresso, a revista – agora on-line – destaca nesta edição assuntos relacionados à América Latina. A temática foi escolhida em razão da necessidade atual de abordar a história, a cultura e a sociedade latino-americana de um ponto de vista decolonial, segundo o professor Alexandre Barbosa, da ECA, que orienta os alunos na produção da revista.

Essa ampla abordagem sobre o continente está estampada nas páginas da nova edição de Babel. Além do golpe militar no Chile – retratado na matéria Nuestro 11 de Septiembre, assinada por Beatriz Herminio, Guilherme Caldas e Sofia Kercher –, a publicação traz textos sobre islamofobia no Brasil, cooperação acadêmica entre os países do Sul global, a eleição de líderes da extrema-direita na América Latina e a incidência da depressão entre a juventude latino-americana, entre outros.

A pluralidade da cultura latino-americana

Na área da cultura, os temas destacados em Babel são os mais diversos, desde a preservação da memória cinematográfica e o reggae maranhense até o simbolismo da figura de Maria na América Latina e a influência no sertanejo brasileiro do mariachi – o gênero musical mais popular do México.

Na matéria De Pixels a Celulose, escrita por Thiago Gelli, a obra do cineasta Walter Hugo Khouri é tomada como exemplo do apagamento da cultura brasileira e latino-americana, em especial no âmbito do cinema, decorrente do pouco caso com a preservação dos materiais nacionais. Khouri foi um cineasta paulista que dirigiu mais de 20 filmes ao longo de 50 anos, incluindo Noite Vazia (1964) e As Amorosas (1968) – com a participação de Rita Lee –, e teve muito de seu trabalho perdido. A produção preservada é de difícil acesso por meios legais e está em condições precárias em termos de resolução. Como mostra Gelli, o primeiro longa do cineasta, Gigante de Pedra (1951), foi exibido no Festival de Cinema Internacional do Brasil, em 1954. Quase 70 anos depois, em 11 de agosto de 2023, foi restaurado e exibido na reabertura da Cinemateca Brasileira, fragmentado devido à perda de um terço do rolo original, que não foi preservado corretamente.

Os mariachis mexicanos tiveram influência no sertanejo brasileiro -Imagem: Reprodução/ Revista Babel

Já a matéria A Revolução Cultural do Reggae Maranhense, escrita por Giovanna de Oliveira e Julia Mantuani, mostra que, na década de 70, o gingado jamaicano conquistou e mobilizou a população negra e de baixa renda que habitava as palafitas de São Luís, capital do Maranhão. As repórteres relatam que o gênero foi se adaptando nas mãos dos brasileiros e que, diferente do que ocorre na Jamaica, no Maranhão o reggae é dançado a dois, “um reflexo da sensualidade inscrita na tradição da herança cultural dos corpos negros livres, denunciando e desafiando a exclusão que a escravidão impôs”. Em 2023, São Luís foi declarada por lei a capital nacional do reggae.

Em outra matéria – Sobre Ranchos e Raízes, de autoria de Jorge Fofano –, é destacada uma manifestação da cultura popular do México, a ranchera, que atuou fortemente no cenário da música sertaneja no Brasil. Durante e após a Revolução Mexicana (1910-1917), a cultura daquele país foi fortemente difundida para o restante da América Latina, popularizando a figura dos mariachis – os grupos dedicados ao típico gênero mexicano –, um símbolo presente em filmes, novelas, músicas e outras manifestações culturais. Os serenateiros mexicanos e as características da ranchera foram gradualmente incorporados à cultura brasileira, adaptados e traduzidos de tal forma que atualmente se apresenta como um gênero completamente à parte, como enfatiza a matéria.

Há também aquelas expressões culturais mais particulares de cada país, que dificilmente exercem influência em seus vizinhos, como conta Guilherme Caldas em sua matéria sobre o rock argentino, intitulada Mate, Tango y Rock n’ Roll. As primeiras bandas do gênero – Almendra, Los Gatos e Manal – surgiram nos anos 60, fortemente influenciadas pelos Beatles e seu álbum então recém-lançado Revolver, que rompeu com as tendências da época ao adotar letras e melodias mais complexas e elaboradas. Com o regime ditatorial instaurado na Argentina, em 1976, muitos artistas vieram para o Brasil, mas sua influência não os acompanhou.

No âmbito da religião, o catolicismo como um todo é muito presente na América Latina, e cada país tem sua interpretação e tradições, como ressalta Luana Franzão em Entre a Espada e a Cruz, sobre as diversas faces da figura de Maria, mãe de Jesus. Apesar de seus diversos nomes – Nossa Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora de Chiquinquirá, entre muitos outros –, seu simbolismo permanece o mesmo: uma protetora da América Latina, mãe dos povos que sofrem e buscam o perpétuo socorro. Sua imagem também é utilizada como ferramenta para gerar união nacional, oferecendo amparo em um cenário de sofrimento coletivo que a América Latina foi levada a acreditar ser inevitável. A Virgem foi usada como símbolo também político, apropriado e ressignificado por diversas revoluções e movimentos latino-americanos em suas lutas.

Capa da nova edição de Babel (à esquerda), detalhes de páginas da revista (no centro) e banda de rock argentina (à direita) – Imagens: Reprodução/revista Babel

 

Babel é inteiramente produzida pelos estudantes da ECA, que são responsáveis pela escolha das pautas, apuração, escrita e edição dos textos, além da diagramação das páginas. Na nova edição da revista – lançada em dezembro passado –, as pautas foram sugeridas e avaliadas pelos próprios alunos, seguindo a orientação do professor Alexandre Barbosa sobre os critérios que deveriam ser seguidos. “Primeiro, alguns temas macro precisavam aparecer em destaque, como o combate ao machismo e ao racismo”, explica Barbosa. “Segundo, era necessário que os alunos entendessem o Brasil como um país pertencente à América Latina, e também o próprio conceito de América Latina a que me refiro – não só um continente que reúne países que falam espanhol ou que estão geograficamente abaixo do Rio Grande, a fronteira natural entre Estados Unidos e México, mas países que sofreram processos de colonização e compartilham um histórico de posicionamentos geopolíticos”.

A revista Babel é feita por alunos que cursam a disciplina Laboratório de Jornalismo: Revista, ministrada por Barbosa. Como é uma disciplina optativa livre, alunos de todas as unidades da Universidade podem cursá-la.

A nova edição da revista Babel, produzida por alunos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, está disponível gratuitamente, na íntegra, neste link.

*Sob supervisão de Roberto Castro


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