Editora Com-Arte prepara a publicação de três clássicos esquecidos

“Uma Paixão”, de Chrysanthème, “Romance Tropical”, de Théo-Filho, e “Ânsia Eterna”, de Júlia Lopes de Almeida, marcaram o cenário literário do começo do século 20 no Brasil

 06/03/2024 - Publicado há 2 meses     Atualizado: 07/03/2024 as 21:18
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Livros já lançados pela Editora-Laboratório Com-Arte, ligada ao curso de Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP - Foto: Reprodução/@editoracomarte/Instagram

A Editora-Laboratório Com-Arte – ligada ao curso de Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP – prepara atualmente a publicação de três clássicos esquecidos da literatura brasileira, que farão parte da sua tradicional Coleção Reserva Literária: Uma Paixão, de Chrysanthème (1869-1948), Romance Tropical, de Théo-Filho (1895-1973), e Ânsia Eterna, de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934). Ao mesmo tempo, a editora anuncia mudanças na coordenação da coleção: em lugar do professor José de Paula Ramos Júnior, que se aposentou, entra o professor Jean Pierre Chauvin.

Uma Paixão demonstra o pioneirismo da autora em causas feministas, como destaca o professor De Paula. Nascida no Rio de Janeiro, Chrysanthème – pseudônimo da escritora e jornalista Cecília Moncorvo Bandeira de Mello Rebello de Vasconcellos – tornou-se conhecida como uma das poucas mulheres escritoras do começo do século 20. Publicou 15 livros, entre eles Gritos Femininos (1922), A Mulher dos Olhos de Gelo (1935) e A Infanta Carlota Joaquina (1936). “Uma Paixão configura a situação da mulher de elite, entre a moralidade conservadora e a independência de sua afetividade, com um final irônico e trágico”, explica De Paula.

A obra de Théo-Filho é descrita por De Paula como “cativante e surpreendente”. Nascido no Recife (PE), Théo-Filho – que atuou também como poeta, teatrólogo, diplomata e jornalista – foi um dos escritores mais lidos no Brasil no começo do século 20. “Contrabando, amores ilícitos, cambalachos políticos, corrupção, tiroteio, entre outros temas, dão um colorido notável à sua narrativa”, afirma De Paula.

Ânsia Eterna, da carioca Júlia Lopes de Almeida, é uma coletânea de 30 contos que refletem a influência do escritor francês Guy de Maupassant (1850-1893). Abolicionista e feminista, Júlia expressa, na maior parte dos contos do livro, um “teor sombrio”, como define Chauvin, citando como exemplo o conto Os Porcos. “Nessas narrativas, há uma constante tematização de conceitos relacionados à vida e à morte”, afirma o professor. “Trata-se de uma escritora cujas obras, publicadas desde o final do século 19, tinham bastante popularidade na época, tanto entre leitores quanto entre os historiadores e críticos literários.”

 

José de Paula Ramos Júnior – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

A recuperação das três obras – que ainda não têm data definida de lançamento – é resultado do trabalho desenvolvido por alunos da disciplina Introdução à Ecdótica do curso de Editoração da ECA, ministrada por De Paula durante dez anos, de 2012 a 2022. Edóctica se refere à prática  de reconstituir um texto antigo da forma mais próxima possível ao original. Para De Paula, trata-se da união entre ciência, técnica e arte. “Ciência para a produção de textos fidedignos ou críticos, técnica para dar harmonia e coerência à apresentação material do texto e arte para configurar um texto com beleza, favorecendo a inteligibilidade, a leiturabilidade e a legibilidade”, diz o professor.

A Coleção Reserva Literária

Com a criação da disciplina, em 2012, foi fundada também a Coleção Reserva Literária, justamente para dar a público os textos trabalhados em sala de aula. Segundo De Paula, o trabalho na disciplina começa com a seleção de um livro de ficção, em domínio público, cujas primeiras três edições lançadas em vida do autor estejam disponíveis. A partir daí, os estudantes realizam três etapas de transcrição do texto – que são chamadas de diplomática (sem intervenções), semidiplomática (com breve apontamentos, em prol da legibilidade) e texto fidedigno (com as alterações necessárias). Os textos trabalhados na disciplina seguem depois para publicação pela Com-Arte, num processo que pode demorar até dois anos. “A proposta é preparar um livro de literatura brasileira, obscuro, mas de qualidade artística notável e de interesse cultural permanente”, conta De Paula, que também terá como substituto, em Introdução à Edóctica, o professor Chauvin.

Agora à frente da disciplina e da coleção, o professor Jean Pierre Chauvin encara um novo desafio. “Meu desejo é continuar a zelar pela Coleção Reserva Literária. Ter assumido essa função foi um turning point no trabalho como docente e pesquisador”, diz ele.

O aluno Jorge Buzzo, que está no quarto ano de Editoração, fez a disciplina Introdução à Edóctica e atuou na Com-Arte, considera a sua experiência na editora-laboratório como “muito relevante” para a sua formação, uma vez que, ao longo dos três semestres em que os alunos atuam na editora, é feita uma imersão nas diferentes etapas da profissão de editor. “Na Com-Arte, desde a preparação do original, em Introdução à Ecdótica, passando pela revisão, pela diagramação, pelo envio para a gráfica e pela checagem das provas, até a seleção do original, você vê todos os processos na prática. Isso é difícil de conseguir num estágio como editor”, analisa.

Jean Pierre Chauvin – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Desde a sua primeira publicação, em 1981, a Editora-Laboratório Com-Arte já publicou mais de 200 livros de quase cem autores. Um deles, Design de Capas do Livro Didático: a Editora Ática nos Anos 1970 e 1980, de Didier Dias de Moraes, ganhou em 2018 o Prêmio Jabuti – a maior honraria do mercado editorial brasileiro –, na categoria Economia Criativa, como noticiou o Jornal da USP na época (leia aqui). Outras duas obras da editora, Diplô: Paris-Porto Alegre, de Juliana Sayuri, e O Mar e o Búzio, de Bruno Palma, foram finalistas do mesmo prêmio em 2017.

* Estagiário sob supervisão de Roberto C. G. Castro

Capa do livro "Design de Capas do Livro Didático: a Editora Ática nos Anos 1970 e 1980", publicado pela Editora Com-Arte, vencedor do Prêmio Jabuti de 2018 na categoria Economia Criativa - Foto: Reprodução/Edusp

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