Relatório propõe princípios do direito internacional para conciliar comércio e políticas climáticas

Professor Umberto Celli, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP, foi o único brasileiro do grupo de especialistas que elaborou a proposta apresentada na Organização Mundial do Comércio

 28/09/2023 - Publicado há 7 meses
Por
Relatório foi elaborado por um grupo de 20 especialistas em direito internacional de diferentes países – Imagem: Pixabay

.
Medidas comerciais relacionadas ao clima estão gerando tensões internacionais, e a preocupação das lideranças mundiais é que elas possam criar barreiras ao comércio internacional e prejudicar a cooperação global em relação às mudanças climáticas.

Por isso, o Fórum sobre Comércio, Meio Ambiente e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (TESS), iniciativa sem fins lucrativos, criada em parceria com o Instituto de Pós-Graduação de Genebra e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, reuniu um grupo de juristas para refletir sobre o tema e apresentar propostas à Organização Mundial do Comércio (OMC), aos governos e a atores da sociedade ligados direta ou indiretamente às questões comerciais e climáticas. O objetivo é promover o diálogo e a cooperação internacional na elaboração de medidas comerciais relacionadas ao clima que sejam justas, equitativas e considerem as situações nacionais e capacidades distintas.

Umberto Celli Júnior – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O resultado desse esforço conjunto é o relatório Princípios de Direito Internacional Relevantes para Consideração na Elaboração e Implementação de Medidas e Políticas Climáticas Relacionadas ao Comércio, elaborado por um grupo de 20 especialistas em direito internacional de diferentes países. O relatório foi apresentado na OMC no dia 14 deste mês.

O relatório destaca a importância de considerar princípios do direito internacional ao desenvolver medidas comerciais relacionadas ao clima, visando a uma resposta global eficaz e justa às mudanças climáticas e aos Objetivos de Desenvolvimento sustentável.

De acordo com o professor Umberto Celli, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, o único brasileiro a compor o grupo, a ideia foi “pensar em princípios do direito internacional que pudessem facilitar a concepção e implementação de políticas climáticas relacionadas ao comércio, de forma consistente e coerente”.

O objetivo, diz o especialista, é aliviar as tensões existentes e promover uma relação mais equilibrada, “especialmente entre países desenvolvidos, que já estão em estágios avançados na transição energética, e países em desenvolvimento, que enfrentam maiores desafios devido a circunstâncias naturais e escassez de recursos para fazer essa transição”.

Portanto, o grupo propõe que os países considerem seis princípios do direito internacional nas medidas comerciais relacionadas ao clima: soberania; cooperação; prevenção; proibição de discriminação arbitrária e injustificável; desenvolvimento sustentável, equidade e responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades; bem como transparência e consulta.

Em vista da dificuldade histórica de os países chegarem a um acordo para firmar tratados, especialmente no contexto ambiental e comercial, o professor Celli ressalta que a adoção desses princípios pode ser um caminho menos complicado para diminuir conflitos entre os países. “Por isso foi crucial sistematizá-los em um documento. Assim, buscamos princípios importantes tanto para o Direito Internacional do Meio Ambiente quanto para o comércio internacional para lidar efetivamente com a mudança climática”.

Como exemplo de princípios importantes nas duas frentes, o professor cita o da proibição da discriminação injustificável e arbitrária, já presente no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) incorporado à OMC, que estabelece que as medidas visando à proteção ambiental relacionadas ao clima não devem criar barreiras discriminatórias ao comércio internacional.

Os especialistas acreditam que trabalhar com princípios é mais viável, pois eles servem como diretrizes para os países na adoção das medidas e políticas climáticas necessárias, com impacto sobre o comércio internacional. “Esses princípios são coerentes entre si, como exemplificado pelo princípio da soberania, que está diretamente ligado ao princípio da prevenção. A soberania implica a autonomia dos Estados em questões climáticas e comerciais dentro de seu território, enquanto o princípio da prevenção exige que os Estados tomem medidas para evitar danos significativos ao meio ambiente.”

O relatório elaborado pelos especialistas do TESS detalha cada um dos seis princípios. Resumidamente, os princípios contêm o seguinte teor:

  • 1) Soberania: refere-se à autoridade dos Estados sobre tudo o que ocorre em seu território, incluindo a capacidade de legislar e definir metas relacionadas às mudanças climáticas com base no Acordo de Paris, estabelecido em 2015. Isso se aplica ao comércio internacional, onde os membros da OMC têm o direito soberano de regulamentar no interesse público, inclusive para promover a ação climática, mesmo que isso limite o comércio.

  • 2) Prevenção: exige que os Estados tomem medidas apropriadas para evitar danos significativos ao meio ambiente, incluindo danos além de suas fronteiras nacionais. Este princípio está presente em acordos climáticos como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), adotada em 1992, e o Acordo de Paris.

  • 3) Cooperação: destaca a importância da cooperação entre países, mesmo com diferenças políticas, econômicas e sociais, para manter a paz internacional, promover a estabilidade econômica global e o progresso, e garantir a cooperação internacional livre de discriminação.

  • 4) Proibição de Discriminação Arbitrária e Injustificável: este princípio impede que medidas comerciais adotadas para fins ambientais constituam uma forma de discriminação arbitrária ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional. Isso é fundamental para garantir que as políticas de combate às mudanças climáticas não prejudiquem injustamente o comércio.

  • 5) Desenvolvimento Sustentável, Equidade e Responsabilidades Comuns, porém Diferenciadas, e Respectivas Capacidades: estes princípios são fundamentais para abordar questões relacionadas às mudanças climáticas e ao comércio internacional. Eles consideram responsabilidades comuns, mas diferenciadas, levando em conta circunstâncias socioeconômicas, históricas, emissões passadas e presentes, bem como capacidades técnicas, tecnológicas e financeiras dos Estados.

  • 6) Transparência e Consulta: a transparência é fundamental para melhorar a eficácia da tomada de decisões, garantir a previsibilidade das regras multilaterais e promover a governança adequada. Isso inclui obrigações de transparência vertical e horizontal, incentivando a participação pública e o acesso a informações relevantes.

 

Princípios abordados no relatório do grupo de especialistas internacionais – Fonte: Relatório TESS

 

Os especialistas esperam que esses princípios sejam adotados de maneira articulada para minimizar as tensões existentes entre os países. “A consideração do desenvolvimento sustentável, equidade e responsabilidades comuns e diferenciadas, juntamente com capacidades respectivas, é particularmente importante para países em desenvolvimento, pois reconhece que diferentes nações têm capacidades e desafios distintos na esfera climática. Por exemplo, o mecanismo de ajustamento de carbono na fronteira, que leva em consideração como o produto foi produzido, pode violar esses princípios, criando tensões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.”

Em resumo, diz o professor, o relatório do TESS oferece um conjunto de princípios do direito internacional que “visa harmonizar medidas comerciais relacionadas ao clima com justiça, equidade e consideração das circunstâncias individuais dos países, promovendo uma abordagem mais equilibrada e cooperativa para lidar com os desafios das mudanças climáticas no contexto do comércio internacional”.

Ouça no player abaixo entrevista do professor Celli ao jornalista Ferraz Jr., da Rádio USP.

Logo da Rádio USP


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.