Falta de segurança e desconforto no transporte intermunicipal colocam vida de estudantes em risco

“Ficamos apoiados nos bancos, tentando nos segurar para não cair. A situação fica precária”, relata a aluna de uma universidade particular de Ribeirão Preto. A Artesp enviou nota sobre o transporte intermunicipal

 01/12/2023 - Publicado há 5 meses
Por
Foto: Kaelaine Olive

 

Logo da Rádio USP

São muitos os estudantes que moram em cidades próximas a Ribeirão Preto e que todos os dias viajam de ônibus ou vans para frequentar as aulas. Nesse vai e vem, a segurança do transporte, na maioria das vezes, é deixada de lado. É comum ver transporte superlotado com estudantes sentados no colo dos amigos, no chão de vans ou fazendo o trajeto em pé, no corredor, como acontece, por exemplo, com cerca de 18 jovens que fazem diariamente o trajeto de 70 km entre Viradouro e Ribeirão Preto.

Rubens Beçak – Foto: Arquivo pessoal

A aluna de engenharia química de uma universidade particular de Ribeirão Preto, Julia Fernanda Sgarioni, é uma das estudantes. “A superlotação começa na segunda-feira e se estende para a terça-feira, dias que o pessoal mais frequenta a faculdade. Nessa situação, já presenciei alunos sentados um no colo do outro. Dependendo da van, os bancos são tão largos que não têm espaço nem no chão para sentar.”

Julia diz que denunciou o excesso de passageiros e a falta de segurança à prefeitura de Viradouro. “Temos a Central de Transporte na cidade, mas não temos nenhum retorno. Como são poucos alunos que fazem o trajeto, eles não se importam.”

Os estudantes de Sales Oliveira, cidade que fica a 52 km de Ribeirão Preto, também reclamam da mesma situação, e confirmam a situação de descaso com os estudantes. Um deles, que não quis se identificar, diz que a questão nem é a superlotação, mas os espaços reduzidos na van. “São tão pequenos e mal projetados que não dá para sentar quatro alunos em quatro lugares, por conta disso, já rolou do pessoal ir sentado no chão ou na escada.”

Esse mesmo aluno diz que, além da falta de segurança, a movimentação dentro da van pode se tornar bem estressante. “Por ser bem apertado e cheio, é extremamente difícil andar ali dentro. Também possui o fato das vans serem velhas e às vezes a porta está emperrada, fazendo com o que motorista pare a van e abra a porta para nós. Andar de van sempre é uma situação desconfortável.”

Legislação 

Rubens Beçak, professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, afirma que a fiscalização das empresas pode até ocorrer, mas não de modo regular. “Se a Artesp, que é a agência reguladora, fiscalizar, ela proíbe taxativamente, como motoristas sem habilitação profissional de passageiros, passageiros em excesso e crianças desacompanhadas.” 

Sobre a responsabilidade de quem faz o transporte irregular de passageiros, o professor explica: “O motorista, o responsável pela empresa hierarquicamente superior e o dono da empresa são solidariamente responsáveis se essas proibições e recomendações não são seguidas. Numa blitz, por exemplo, se for constatado que as pessoas estão sendo transportadas em pé ou têm um número maior de passageiros do que de lugares, há a notificação de uma multa, muitas vezes, elevada, e que atinge toda a cadeia do transporte em questão, do motorista ao dono da empresa”.

Ele cita que automóveis mais compactos, como vans, são mais propensos a causar grandes acidentes, já ônibus e metrôs podem amortecer o impacto, por isso têm a permissão de comportar passageiros em pé. Beçak afirma ainda que nas grandes cidades, como São Paulo, as vans já estão sendo proibidas como transporte, por questão de falta de segurança e por serem bem pequenas. São utilizadas apenas por empresas privadas que alugam. 

Segurança

A superlotação traz total insegurança, como explica o estudante de Sales Oliveira. “Por ser muito apertada, a van balança demais e chacoalha muito. Os problemas do asfalto trazem mais desconforto, pois quem está sentado no chão do veículo pode bater a cabeça ou se machucar com o impacto. Já aconteceu de um cair por cima do outro porque estavam todos espremidos.”

Foto: Kaelaine Olive

Julia denuncia ainda a falta de cinto de segurança nos assentos. “Quando os alunos vão sentados no chão ou no colo, não temos segurança nenhuma. Ficamos apoiados nos bancos, tentando nos segurar para não cair. A situação fica precária.”

Beçak comenta sobre os riscos que podem ocorrer com a falta de segurança. “Quando não se seguem as regulamentações os riscos são ainda maiores para a integridade física e a vida.” O professor diz por que ocorre a superlotação tão frequentemente. ”É uma questão de demanda e oferta, são muitos estudantes para poucas vans.”

Resposta da Artesp

A verificação de irregularidades em vans é responsabilidade da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp). Em nota, a agência enfatiza a relevância da inspeção dos automóveis. Mas a nota não faz referências às denúncias desta reportagem. Leia abaixo a nota na íntegra:

A Artesp […] informa que atua para garantir a segurança e a qualidade dos serviços públicos voltados ao transporte intermunicipal por meio da regulação e fiscalização do setor.

As ações, que abrangem os terminais rodoviários, rodovias e estradas vicinais, incluem a verificação da documentação, condições de segurança e conformidade com as normas regulamentares tanto das empresas quanto dos veículos que prestam serviços à população. Até outubro de 2023, foram realizadas 18.494 fiscalizações em todo o Estado de São Paulo, que resultou em 5.467 multas, 229 retenções e a remoção de 903 veículos para o pátio.

A Agência ressalta a importância da inspeção anual nos veículos, realizada por engenheiros mecânicos credenciados, que assegura a segurança dos passageiros. Campanhas e fiscalizações também alertam para que os passageiros não viagem em veículos clandestinos e que usem o cinto de segurança em todo o percurso. Por meio do acesso ao site www.artesp.sp.gov.br é possível conferir se o veículo e a empresa estão cadastrados na Agência.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.