Queimadas na Amazônia deixam custo humano além do ambiental

Wagner Costa acompanhou expedição que passou por 16 comunidades locais em Roraima e relata experiência

 02/09/2019 - Publicado há 5 anos
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As ameaças à biodiversidade da floresta amazônica representam riscos globais e abrangentes a médio e longo prazos. Mas o desmatamento e as queimadas já causam danos imediatos às comunidades ribeirinhas que vivem na região, que engloba os estados da Amazônia, Rondônia e Roraima. Além dessas ameaças, essa população ainda enfrenta a carência de serviços básicos de saúde e educação. A situação dos moradores dessas comunidades é abordada no seminário Amazônia: Povos e Projetos, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

O professor Wagner Costa, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), fala sobre a expedição à região, da qual participou. “Nós navegamos por 16 vilas, em toda a região do baixo Rio Branco. Do município de Caracaraí (em Roraima), chegamos até a comunidade Xixuaú, na divisa com o Estado do Amazonas”, conta ao Jornal da USP no Ar.

O especialista afirma que é muito importante pensar na Amazônia legal como o lar de 20 milhões de pessoas. Isto é, 10% da população brasileira. “Evidente que, quando se dão queimadas, além da perda da biodiversidade, existe um custo humano”, esclarece. A mata tem o papel fundamental de repor os nutrientes do solo naturalmente, fora que é responsável pelo ciclo de água. Logo, regula as chuvas que chegam até as regiões Sul e Sudeste. “Espero que o último dia 19, o dia do fogo, deixe a lição”, afirma.

O geógrafo fala que, apesar da falta de infraestrutura da região, ninguém quer sair de lá. “Eles vivem muito bem. Têm ciclos produtivos muito organizados. Ora coletam açaí, outra cupuaçu, depois pescam, mais além caçam. Por isso, mantêm um estilo de vida que não impacta de maneira importante a Amazônia”, expõe. Contudo, os ribeirinhos pedem algum suporte, em razão da ausência quase total do Estado.

As reivindicações, em geral, são no campo da saúde ou da educação, e normalmente têm a ver com a dificuldade de locomoção. “É muito comum pedirem uma lancha rápida”, alega o professor. Trata-se de um barco motorizado que presta serviços médicos. Costa lembra também do caso de um senhor que só foi salvo por conta de um avião de resgate. “Os problemas são recorrentes. Picada de cobra, acidente com embarcações. Um atendimento rápido evitaria as maiores sequelas”, indica.

Embora os pedidos das comunidades sejam simples, o docente relata que o Estado é mais ausente a cada dia na região. “Expedições, em barcos financiados pelo governo federal, adentravam a mata. Assim, levavam lá dentista, oftalmologista, ginecologista. Isso foi paulatinamente retirado”, acusa Costa.

Na educação, as grandes distâncias também são um desafio. “As comunidades ribeirinhas, quando muito, conseguem fazer com que o primeiro, e eventualmente o segundo filho, cheguem até o ensino médio”, pondera o geógrafo. Já que há a necessidade de deslocamento da vila de origem até a escola, existe também um custo à família, que logo deixa de ter recursos.

Ainda que os ribeirinhos tenham uma logística produtiva sustentável e, de certa forma, eficiente, eles reclamam melhores condições de estocagem, uma vez que lidam com produtos perecíveis. “Desta maneira, eles teriam condições de processar esses produtos. Consequentemente, venderiam polpa de açaí e cupuaçu, e não a fruta fresca, conseguindo um maior valor agregado”, destaca Costa.

Outra dificuldade corriqueira das comunidades locais é a energia. “Muitos dependem da queima de combustível”, conta Costa. No entanto, a região amazônica conta com ampla disponibilidade solar. Com painéis fotovoltaicos e baterias, a carência energética seria resolvida de forma mais sustentável, conforme o docente. “Desta maneira, haveria necessidade dos geradores a combustíveis fósseis só durante os momentos sem sol, decorrentes das nuvens de fuligem, provenientes de queimadas”, diz.

O pesquisador disse que, durante a expedição, sua equipe foi abordada por uma equipe do Ibama. “Foi bom ver que existe uma regulamentação. Assim que mostramos que éramos cientistas, fomos liberados”, narra. Porém, ele conta que os fiscais ambientais são poucos frente à amplitude do território. “Com internet, o mais simples aviso por celular faz que os infratores sumam momentaneamente”, expõe.

Costa alega que as autarquias responsáveis pelos indígenas foram aquelas que mais sofreram, no último período. “A Funai e a Anvisa, que prestam um serviço a essas tribos, estão sem recursos”, explica. Portanto, as populações originárias passam a ter dificuldades de manter seu estilo de vida. Alguns saem de seus lares em busca de sobrevivência. Resta às comunidades ribeirinhas, já humildes, a missão de garantir uma atividade de trabalho, em troca de alimento e apoio às famílias indígenas. Assim se dá o processo de pauperização desses povos.

O grupo do professor se deparou com indígenas da tribo Yanomami. Uma anomalia e um sinal do fenômeno, segundo ele. Muitos dos povos originários da região ainda estão isolados, ou tem um contato não tão frequente com a população local. “Normalmente ribeirinhos e seringueiros”, diz. A expedição foi composta de pesquisadores das Universidades Federais do Ceará, de Rondônia e de Roraima e financiada pelo  CNPq e pela Capes.


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