Projetos de lei que propõem criminalização de movimentos sociais preocupam especialistas

Tessa Moura Lacerda comenta medidas antiterroristas que propõem o resgate de políticas que existiam na ditadura militar

 19/04/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 20/04/2022 as 12:30
O Brasil tem um histórico que pode ser considerado ruim na defesa dos direitos humanos – Foto: Acervo Estadão
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Organizações Não Governamentais (ONGs) denunciaram o Brasil no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). O motivo: projetos de lei (PL) antiterrorismo que tramitam no País. Tessa Moura Lacerda, professora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Faculdade, afirma ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição que os PLs 272/20161595/2019 e 732/2022 propõem o resgate de políticas que existiam na ditadura militar (1964-1985).

Entre outras coisas, os documentos propõem a criminalização de movimentos sociais e de pessoas ligadas aos direitos humanos. “A mera intenção de fazer uma manifestação pode ser considerada como crime de terrorismo”, diz Tessa. Também está prevista a ampliação do excludente de ilicitude, que isenta a responsabilidade de agentes de segurança pública que cometerem mortes e outras violações em serviço.

As propostas vão contra as recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão temporário criado para investigar violações dos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, e suscitam a preocupação de especialistas. O próprio relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos, Clément Voule, alerta para a redução do espaço cívico brasileiro. Em documento, ele demonstra preocupação com a dissolução de conselhos e comitês de direitos humanos, além dos obstáculos para o funcionamento dos órgãos que ainda existem.

Violação dos direitos humanos

Segundo Tessa, há também o aparelhamento das instituições que foram mantidas. É o caso da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. “A procuradora Eugênia Gonzaga, que estava à frente e fazendo um trabalho importantíssimo de retificação dos atestados de óbito das pessoas que morreram sob tortura, foi afastada e alguém da confiança do presidente está lá.”

Essa não é a primeira vez que o tema vira assunto na ONU. Na avaliação da professora, o Brasil tem um histórico que pode ser considerado ruim na defesa dos direitos humanos. Além do passado escravagista, o País foi um dos que mais demoraram para averiguar os crimes contra a humanidade ocorridos durante a ditadura – foram mais de 20 anos desde o fim da ditadura para a criação da CNV.

Tessa  Moura Lacerda – Foto: FFLCH-USP

O órgão encerrou suas atividades em 2014 e aponta, em seu relatório final,  a ocorrência de violações dos direitos humanos e de crimes contra a humanidade como política de Estado, além da persistência dessas violações atualmente.

Ainda assim, Tessa destaca que há uma disputa ideológica sobre o que de fato aconteceu nesse período. “Se teima em dizer que era uma guerra justa. Como se pode ter uma guerra justa enquanto de um lado você tem o aparato do Estado e de outro pessoas contra um regime que violava os direitos humanos e a liberdade de expressão? Isso não é uma guerra, é um massacre.”

Essa discussão ocorre em meio à publicação de áudios de reuniões do Superior Tribunal Militar (STM) em que generais discutem, nas décadas de 1970 e 1980, casos de tortura.

A professora afirma que a prática de tortura e ocultação dos corpos já era sabida e que os áudios confirmam isso. “Temos que continuar, o tempo todo, desvelando essa história, mas ela é sabida. A questão é que essa disputa ideológica faz com que boa parte da sociedade brasileira compre esse discurso negacionista”, diz, ao questionar quem relativiza a gravidade e a ocorrência da ditadura militar. “Essa revelação dos áudios é importantíssima como mais um elemento. A gente vai continuar insistindo para que essa história seja de fato reconhecida.”


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