Desde que os videogames surgiram comercialmente, nos anos 1970, eles têm sido considerados passatempos controversos. De tempos em tempos, pais e autoridades políticas questionam se os jogos eletrônicos podem ou não atrapalhar o desenvolvimento das crianças.
Entretanto, um estudo realizado com 9 mil crianças e recém-publicado na revista Scientific Reports revelou que meninos e meninas que passaram um tempo acima da média jogando videogame aumentaram sua inteligência mais do que a média.
De acordo com o educador Francisco Tupy, pesquisador de convergência da aplicação de videogames pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ainda hoje, “os jogos são sempre postos como um vilões frente à educação, no entanto, não é isso que os números dizem”. Para o especialista, que também é professor de letramento digital, existem diversas pesquisas que já enxergam a possibilidade dos jogos eletrônicos auxiliarem no desenvolvimento de habilidades cognitivas.
Uma dessas envolveu um levantamento realizado por pesquisadores do Karolinska Institutet, na Suécia, que buscaram estudar como os hábitos de tela das crianças, especificamente crianças americanas, podem ser correlacionados com o desenvolvimento de suas habilidades cognitivas ao longo do tempo.
A metodologia incluiu a aplicação de uma série de testes psicológicos que avaliaram as habilidades cognitivas, ou a inteligência, de crianças entre 9 e 10 anos de idade por dois anos. Tanto as crianças quanto os pais foram questionados sobre quanto tempo elas passavam assistindo TV e vídeos, jogando videogame e interagindo com as mídias sociais.
As conclusões revelaram que, em média, as crianças passavam 2,5 horas por dia assistindo TV, meia hora nas redes sociais e uma hora jogando videogame. E os resultados mostraram que aqueles que jogaram mais jogos aumentaram sua inteligência entre as duas medidas em aproximadamente 2,5 pontos de QI a mais do que a média.
Na opinião do educador, entender como essas crianças interagem com jogos é essencial, independentemente do que está sendo jogado. “A questão não é o que você joga, mas sim como você joga.” Em sua pesquisa de doutorado, Tupy investigou a importância da mediação quando se considera educar a partir de jogos. “Todo jogo pode educar, desenvolver uma habilidade específica, uma questão de memória, um reflexo ou até uma referência cultural. Mas isso é potencializado quando existe um mediador”, elabora ele.
Para Tupy, os resultados do estudo sueco podem ser um ponto de partida para entendermos como os educadores podem trabalhar com jogos em sala de aula. No trabalho, em torno de 5 mil das crianças foram acompanhadas após dois anos, quando foram solicitadas a repetirem os testes psicológicos. Isso permitiu que os pesquisadores estudassem como o desempenho delas nos testes variava de uma sessão para outra.
Embora os pesquisadores admitam que o estudo tenha limitações, especialmente por não considerar os efeitos do comportamento da tela na atividade física, sono, bem-estar ou desempenho escolar seus resultados apoiam a afirmação de que o tempo de tela geralmente não prejudica as habilidades cognitivas das crianças.
A conclusão dos especialistas também incluiu esclarecer que a inteligência é um dos traços psicológicos mais importantes e bem estudados, mas ela engloba múltiplos e complexos processos cognitivos, desde atenção, memória de trabalho, manipulação espacial até velocidade de processamento, raciocínio e compreensão de leitura. Por isso, eles reforçam que inteligência não é sinônimo de desempenho escolar, por exemplo. Além disso, a ressalva final da pesquisa indica que ela não é uma constante, mas uma qualidade que é influenciada por fatores ambientais.
“É óbvio que a gente reconhece que o ambiente é algo formador. Ele traz uma referência, traz desequilíbrios cognitivos, condições sociais…”, finaliza o Tupy ao reforçar que para trabalhar essas diferenças é essencial que professores e educadores passem a usar jogos como um estímulo para o aprendizado.
Com colaboração de Caio César Pereira