Demissões em massa prejudicam saúde mental de quem permanece empregado

A antropóloga Vera Lucia Navarro (FFCLRP) explica o impacto na saúde mental dos trabalhadores diante da incerteza de permanência no emprego

 16/05/2023 - Publicado há 12 meses
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Layoffs atingem profissionais de todos os setores e estão se tornando um movimento cada vez mais comum – Foto: Freepik

 

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Empresas nacionais como QuintoAndar, e globais como Amazon, Microsoft, Tesla, Google, Buser, Ifood e Twitter, que estão entre as companhias e startups mais valiosas do mundo, anunciaram cortes significativos em suas forças de trabalho. Essas demissões, também chamadas de layoffs, atingem profissionais de todos os setores e estão se tornando um movimento cada vez mais comum. Com a incerteza do futuro profissional, o possível corte financeiro e a ansiedade perante dúvidas regimentais, as demissões em massa têm um impacto significativo na saúde mental dos trabalhadores que permanecem empregados. 

É o caso da professora Analu Egydio, que relata diversas situações de demissão em massa que presenciou em seu ambiente de trabalho, onde a mudança de gestão acarretava mudanças nas estratégias, levando à demissão de muitas pessoas. “Ao tocar o telefone próximo ao meio-dia do dia 8 de dezembro, havia uma sensação de ansiedade sobre a possibilidade de ser do RH anunciando a demissão. E é claro que havia um certo pesar pela saída de amigos e colegas de trabalho, mas era inegável a sensação de alívio por não estar na lista.”

Vera Lucia Navarro – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP – Foto: Arquivo Pessoal

A antropóloga Vera Lucia Navarro, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, fundamenta o relato da Analu ao comentar que as demissões em massa ferem a integridade física e psíquica do trabalhador e podem ter efeitos duradouros. “O ambiente fica mais carregado e o clima de tensão também aumenta, uma vez que há uma ameaça de demissão a qualquer instante. A empresa pode mandar seus trabalhadores embora a depender de sua demanda por produtos ou serviço, é isso que tem acontecido. É este o cenário observado, que sem dúvida ameaça os trabalhadores tanto do ponto de vista de sua identidade enquanto classe quanto de sua integridade física e psíquica.”

“Nos primeiros cinco anos, aquilo não me deixava insegura, mas depois de dez anos na empresa, começou a acender um sinal de alerta. Eu percebi que ia chegar um momento que aquele ciclo ia acabar, e que não adiantaria eu ser romântica e pensar que eu iria me aposentar e morrer lá porque isso não iria acontecer”, afirma Analu.

Demissões: causas

O professor Sérgio Kannebley Júnior, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, atribui a causa das demissões em massa ao baixo rendimento das ações, à elevação dos juros e à escalada da inflação, principalmente em companhias de tecnologia. “As empresas possuem uma forte dependência de recursos financeiros, principalmente empresas startups de tecnologia. Dessa forma, o ambiente se torna instável e à deriva do mercado. A taxa de juro pode ser alta ou baixa e a atividade econômica está sempre sujeita a um declínio. Nessa perspectiva, é possível que essas empresas se antecipem nos seus cortes.”

O professor convida todos a acompanharem os gráficos do S&P 500, abreviação de Standard & Poor’s 500 – índice do mercado de ações que reúne as 500 maiores empresas do mundo listadas e domiciliadas nas principais Bolsas de Valores – e a analisarem o desempenho das empresas que tiveram um corte significativo em seu quadro de funcionários. Essas empresas possuem gráficos em declínios entre os anos de 2022 e 2023.

Da esquerda para a direita, gráficos da Amazon, da Tesla e do Google – Foto: Reprodução/Gráfico S&P 500

 

Já a antropóloga Vera Lucia afirma que os layoffs podem ser explicados pelo modelo de regulação da produção e do trabalho em vigor. A professora faz uma digressão ao Japão de 1979, que, em meio à crise estrutural vivida pelo capitalismo, promoveu o processo de reestruturação produtiva nas empresas por meio do Toyotismo, um novo modelo de regulação. Esse método de produção tem como objetivo produzir pequenas séries de produtos variados com baixo custo. Assim, a fábrica mínima é criada, reduzindo funções, equipamentos e efetivos ao necessário para satisfazer a demanda diária ou semanal da empresa. De acordo com Vera, a fábrica mínima é, antes de tudo, a fábrica de pessoal mínimo.

Sérgio Kannebley Júnior – Foto: Arquivo Pessoal

E é com a mentalidade sistemática capitalista, descrita por Vera, que Marcelo Palareti, empresário de uma empresa de gestão de serviços terceirizados, lida com as demissões em massa. “É apenas o cotidiano de uma empresa. É dever do bom empresário sempre analisar redução de custos e melhorias nos processos para que a empresa seja destaque e mais competitiva no mercado.” Ele discorre sobre a necessidade de sempre tentar realocar os funcionários e que as demissões em massa são os últimos recursos, mas que infelizmente, em alguns casos, essas demissões são necessárias. “Quando as demissões acontecem é obrigatório o aviso-prévio para os funcionários ao término do contrato, a rescisão e todos os direitos trabalhistas.”

O artigo 477-A, acrescentado na CLT após reforma trabalhista, em 2017, afirma que “as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”. Assim, o Tribunal de Trabalho entende que as demissões em massa são regulamentadas por normas legais.


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