Tempestade de areia no interior paulista

Por Carlos Andrés Hernández A., Débora Sotto e Tatiana Tucunduva P. Cortese, pós-doutorandos e pesquisadores do IEA/USP

 18/09/2020 - Publicado há 4 anos
Carlos Andrés Hernández A. – Foto: IEA
Débora Sotto – Foto: IEA
Tatiana Tucunduva P. Cortese – Foto: IEA

 

Cidades da porção oeste do interior do Estado de São Paulo foram surpreendidas na segunda semana de agosto por uma verdadeira tempestade de areia, que, se não causou incidentes graves, diminuiu a visibilidade nas ruas e assustou moradores. Esse fenômeno de areia e ventos ocorre normalmente nos períodos de verão e primavera no Nordeste brasileiro, em zonas do semiárido em que o solo é formado por pequenas rochas e areia. Agora, por conta de alterações antrópicas no meio ambiente, o fenômeno vem ocorrendo também no Centro-Oeste paulista, em decorrência da degradação e possível início de desertificação do bioma cerrado.

Segundo o Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet) do Centro de Meteorologia de Bauru/Unesp, a tempestade de areia formou-se a partir de uma frente fria que adentrou o Estado de São Paulo pelo Paraná, atingindo as cidades de Presidente Prudente, Palmital, Gália, Candido Mota, até chegar às cidades de Sorocaba e Itapetininga.

A mesma frente fria foi responsável pela formação de um tornado no interior do Estado de Santa Catarina, impactando as cidades de Tangará, Água Doce, Lacerdópolis, Catanduvas e Ibicaré, tendo afetado mais de 700 residências na região de Água Doce, conforme relatado pela Defesa Civil da cidade.

No caso da tempestade de areia no interior paulista, foi observada a formação de uma densa nuvem, seguida de chuva e ventania com poeira e areia. Foram afetados posteamento e iluminação pública, ruas, vegetação pública, praças, moradias, veículos e serviços locais.

Tempestades de areia atingem com maior força zonas urbanas com escassa vegetação, sendo mais comuns em zonas áridas, como as grandes planícies norte-americanas ou as regiões do norte da China. Em julho de 2011, por exemplo, uma forte tempestade de areia atingiu a cidade de Phoenix, capital do Estado do Arizona no Oeste dos Estados Unidos, com velocidade dos ventos acima de 100 km/h, resultando em redução de visibilidade em distintos graus, fechamento de aeroporto e corte de fornecimento de energia elétrica.

A ocorrência de tempestades de areia no território brasileiro evidencia a necessidade de enfrentamento de processos de desertificação, deflagrados pela associação entre as alterações globais do clima, com aumentos de temperatura e redução hídrica, e os impactos das intervenções antrópicas sobre os biomas, sobretudo desmatamento e avanço de atividades agropastoris.

A desertificação é um processo que destrói o equilíbrio do solo, da vegetação e da água em áreas sujeitas a uma natureza edáfica e/ou climática e que se instala em função da associação de fatores econômicos, naturais e sociais (Silva, 2019). Seu enfrentamento demanda, portanto, o desenvolvimento de políticas, ações e estratégias de caráter multidisciplinar e intersetorial.

Focos de desertificação já podem ser observados no semiárido nordestino, em razão da acelerada degradação da caatinga, e em algumas regiões de cerrado, nos estados do Tocantins, Goiás, Minas Gerais e São Paulo.

O combate à desertificação no Brasil é objeto do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil), estruturado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente (MMA) no ano de 2005.

O PAN-Brasil contempla o estabelecimento de macroobjetivos e define cinco eixos temáticos para orientação do combate à desertificação: a) combate à pobreza e à desigualdade; b) ampliação sustentável da capacidade produtiva; c) preservação, conservação e manejo sustentável de recursos naturais; d) gestão democrática; e) fortalecimento institucional.

O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA), de 2016, também contempla ações voltadas ao enfrentamento da desertificação nos setores estratégicos de agricultura, biodiversidade e ecossistemas, gestão de riscos e desastres, povos e populações vulneráveis, e segurança alimentar e nutricional.

Não obstante, é preciso avançar na estruturação e na implementação de políticas, ações e estratégias intersetoriais voltadas à prevenção e mitigação de processos de desertificação no território brasileiro, em âmbito urbano e rural.


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