Infinito, ambíguo: João Guimarães Rosa

Diana Vidal é professora titular de História da Educação da FEUSP e diretora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP)

 09/05/2019 - Publicado há 5 anos

Diana Gonçalvez Vidal – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente maio e Jó Joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se.” Este excerto do conto “Desenredo”, publicado originalmente por João Guimarães Rosa em 1967, forneceu o mote que guiou a organização, nos dias 14 a 16 de maio, no Instituto de Estudos Brasileiros, de seminário para marcar o relançamento da obra Grande sertão: veredas, pela Companhia das Letras.

Em “Desenredo”, o autor declara sua intenção de narrar a seus ouvintes. Embaralha leitura e oralidade, convidando o leitor a participar ativamente da narrativa, não apenas ao percorrer com os olhos o texto escrito, mas aguçando o sentido da audição. Este entrelaçamento é o ponto de partida de Infinitamente Maio. No evento, misturam-se atividades acadêmicas a oficina de leitura, leitura dramática e narração literária. O público assim é chamado a ouvir, interpretar, ler e recriar a obra rosiana.

Centradas no Grande sertão: veredas, as atividades se multiplicam e acolhem interesses os mais diversos. No primeiro dia, 14 de maio, Maira Fanton Dalalio coordena a leitura dramática “Atores da violência – atores do diálogo”, da qual participam também Willi Bolle e Henrique de Toledo Groki. Permitir ao público “experimentar a encenação do encontro entre o bando de jagunços, do qual fazem parte o protagonista-narrador Riobaldo e o chefe Hermógenes, e o fazendeiro Seô Habão” é o intento da função, elucida a sinopse.

Na sequência, sob condução de Rosa Haruco Tane, a oficina de leitura propõe a oralização de trechos da obra por parte dos presentes. A iniciativa, criada em 2003 por Dieter Heidemann, na ocasião vice-diretor do IEB, já constitui parte integrante da paisagem cultural do instituto, sendo realizada todos os semestres sem interrupção há mais de uma década e meia.

No dia 15 de maio, no período da manhã, o Arquivo do IEB se abre aos aficionados para uma visita guiada ao Fundo Guimarães Rosa. A atividade requer inscrição prévia, posto que as vagas são limitadas. É a oportunidade de tomar contato direto com os documentos originais guardados por Guimarães Rosa e que atualmente fazem parte do acervo do instituto. Correspondências, recortes de periódicos, fotos de viagens, cadernos manuscritos constituem este rico conjunto documental formado por aproximadamente 20 mil documentos.

O IEB possui ainda a última biblioteca de Guimarães Rosa, composta de 3.500 volumes. São obras literárias, dicionários bilíngues e etimológicos, livros sobre religião, ocultismo, filosofia e animais. Como curiosidade, vale informar que também foi doado ao instituto o acervo pessoal de Aracy Guimarães Rosa, segunda esposa do autor, cuja atuação no Consulado Brasileiro de Hamburgo durante a Segunda Guerra Mundial possibilitou a fuga de vários judeus da Alemanha. A ela é dedicado Grande sertão: veredas.

A tarde de 15 de maio reserva aos acadêmicos a mesa-redonda Grande sertão veredas: leituras, integrada pelos pesquisadores Willi Bolle, Luiz Roncari e Yudith Rosenbaum, com a mediação de Ana Paula Pacheco. Nesse dia ainda, com o apoio da Companhia das Letras, será efetuado o lançamento do romance nas dependências do IEB.

A oficina de leitura retorna na tarde do dia 16 de maio e será seguida pela atividade de narração de contos e episódios de Guimarães Rosa na voz das pesquisadoras Fernanda Rivitti e Magna Martins.

Coroando o seminário, a exposição Pontos de entremeio de Grande sertão: veredas convoca o público a penetrar no processo de escrita de João Guimarães Rosa. Do acervo do escritor, preservado no IEB, documentos e livros selecionados mostram os bastidores e as etapas da elaboração e divulgação do romance. Os itens expostos, isolados, poderiam parecer o avesso de um bordado. A exposição alinhava-os de modo a cerzir os caminhos da criação do livro.

A diversidade das atividades propostas remete à riqueza da obra rosiana, às múltiplas possibilidades de interpretação e às apropriações as mais distintas que acolhe. Uma escrita sonora, um texto oral, é no cruzamento destes desenredos que emerge a história de Riobaldo, o ex-jagunço semiletrado, fio condutor da narrativa em Grande sertão: veredas. É o vaivém de sua memória tramada em uma escrita caudal, não estruturada em partes ou capítulos, que encanta e desafia o leitor, ao percorrer as páginas desse romance considerado como uma revolução do cânone literário no Brasil. Enfeixado em elementos da tradição brasileira, o texto provoca a incerteza: teria Riobaldo feito um pacto com o diabo? Se não apresenta fisicamente o diabo, a ele faz remissão por meio das várias denominações tomadas da cultura popular. A ambiguidade é o princípio organizador do livro. Ela se anuncia nas relações entre Bem e Mal, na oscilação entre história de vida e dúvidas existenciais, nas artimanhas do Amor, no dentro e no fora.

É este Guimarães Rosa infinito e ambíguo que os eventos organizados pelo IEB pretendem captar sem capturar; exibir sem aprisionar.

 

 


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