A intergeracionalidade impulsiona a transformação nos sistemas agroalimentares: reflexões do “World Food Forum”

Por Ana Luiza Gomes Domingos, pós-doutoranda da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, e Sílvia Helena Galvão de Miranda, professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP*

 16/01/2024 - Publicado há 3 meses
Ana Luiza Gomes Domingos – Foto: Arquivo pessoal

 

Sílvia Helena Galvão de Miranda – Foto: Arquivo pessoal
A sede da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) em Roma foi o palco do World Food Forum (WFF), realizado entre os dias 6 e 20 de outubro de 2023. O evento abrangeu três iniciativas simultâneas: o WFF Global Youth Forum, o Hand-in-Hand (HIH) Initiative Investment Forum e o FAO Science and Innovation Forum (SIF) 2023, este último concentrado no tema da ciência e inovação para atender ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 13 – Ação Climática.

Lançado em 2021, o WFF Global Youth Forum é conduzido por jovens e tem como propósito catalisar um movimento global que capacite jovens de todo o mundo a remodelar os sistemas agroalimentares. Sua missão é contribuir para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e assegurar um futuro alimentar mais sustentável para todos.

O World Food Forum 2023, com o tema A transformação dos sistemas agroalimentares acelera a ação climática, reuniu 6 mil participantes presenciais e mais de 20 mil on-line. A presença de mais de 1.500 crianças ao longo da semana enriqueceu ainda mais o evento. Com mais de 400 eventos, incluindo atividades paralelas e exposições, o fórum se destacou como um espaço dinâmico e abrangente para discussões sobre a crucial interseção entre a transformação dos sistemas agroalimentares e a urgência da ação climática.

Um aspecto notável do evento foi sua capacidade de conectar diversos participantes, incluindo grupos de jovens, influenciadores digitais, empresas, instituições acadêmicas, organizações sem fins lucrativos, governos, mídia e o público em geral. Ficou evidente o esforço para engajar participantes dos mais diversos países e regiões do mundo e incentivar, particularmente, a presença feminina.

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Combate à Fome foi representado no evento por duas integrantes: Sílvia Helena Galvão de Miranda, professora titular do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Ana Luiza Gomes Domingos, pós-doutoranda na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

A docente Sílvia Miranda é pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, membro do Centro de Inteligência Artificial da USP – C4AI, no grupo Agribio, e integra o Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada da Esalq. Foi convidada a participar do SIF 2023, na qualidade de membro e coordenadora do Eixo Cadeia de Valor do INCT Combate à Fome, na sessão Strengthening Intergenerational Linkages and Interaction for Accelerated Science & Innovation.

Além de atuar como pós-doutoranda na EACH, Ana Luiza integra a segunda coorte do Young Scientists Group (2023-2025) do WFF desde abril de 2023. Nessa posição, a jovem cientista foi escolhida dentre outros 15 cientistas ao redor do mundo, destacando-se como a única representante da região da América Latina e do Caribe. Ao longo do evento, Ana Luiza se destacou durante a Cerimônia de Abertura, proferindo um discurso representativo em nome do grupo de jovens cientistas. Além disso, desempenhou um papel fundamental no embasamento técnico-científico da Assembleia Regional da América Latina e Caribe, explorando como a agroecologia pode impulsionar a transformação dos sistemas agroalimentares na região.

Durante o evento, nos três fóruns, ficou patente, nas mais variadas sessões, a premência de se identificar estratégias para acelerar a inserção dos jovens pesquisadores na produção científica e na geração de inovações que permitam avançar mais rapidamente no enfrentamento de grandes desafios atuais. Dentre estes, destacadamente, seu engajamento e contribuições para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, o combate à fome, a inclusão social e o empoderamento feminino.

Questões relacionadas às ações de jovens para paisagens sustentáveis, sistemas agroflorestais, investimentos para as próximas gerações, a promoção de agricultura urbana e jardinagem para a nutrição e a agrobiodiversidade, redução de desperdícios e outros temas foram alvo de sessões específicas voltadas aos jovens.

Alguns casos de sucesso foram apresentados, de iniciativas com lideranças femininas, em países do norte da África e da África subsaariana, bem como de países asiáticos e latino-americanos, que evidenciam o poder de transformação das inovações quando se tem a visão de adequá-las às demandas das comunidades para as quais são propostas. O empoderamento feminino para promover o crescimento econômico e inclusão social não é mais apenas ilustrado pela bem-sucedida experiência do microcrédito implementada pelo Grameen Bank, sob a liderança do renomado economista Muhammad Yunus, em Bangladesh, Prêmio Nobel da Paz de 2006. As iniciativas de sucesso se multiplicam nas mais diversas regiões do mundo e variados setores, em atividades rurais e urbanas. Algumas dessas iniciativas foram compartilhadas pelas suas lideranças femininas no evento da FAO.

Não apenas nessas iniciativas de empreendedorismo e de geração de inovações tecnológicas o papel da mulher foi evidenciado. O desafio da comunicação e interação intergeracional foi outro tema recorrente nas sessões dos fóruns já referidos. Certamente, os jovens e as jovens pesquisadoras que ora se formam vêm ingressando no mercado de forma rápida, altamente capacitados, alguns com mais de um pós-doutorado em seus currículos, e munidos de conhecimentos e instrumentos que, intelectual e tecnologicamente, lhes permitem avançar no equacionamento dos problemas mais urgentes para a sustentabilidade do planeta e da vida.

Contudo, esses jovens encontram instituições, tanto em termos regulatórios quanto das estruturas administrativas, hierárquicas, e aspectos sociais e culturais que nem sempre favorecem sua motivação e participação ativa, dificultando a apropriação dessa capacidade para cumprir, por exemplo, com os ODS. Estruturas que ainda permitem a discriminação da mulher no exercício de sua profissão, principalmente quando o mesmo se dá concomitante à maternidade, ou que carecem de crédito e instrumentos que viabilizem e estimulem financeiramente o engajamento desses jovens na ciência e na geração tecnológica configuram um gargalo importante a ser vencido pela sociedade.

Para estimular o desenvolvimento dos jovens cientistas e fortalecer a retenção desses profissionais no âmbito acadêmico, é viável adotar uma série de medidas que englobam não apenas oferecer suporte na concepção de planos de carreira, mas também fomentar a interação com diversas áreas e grupos de pesquisa, tanto em âmbito nacional quanto internacional. Ainda, é essencial incentivar oportunidades de networking com diversos agentes nos sistemas agroalimentares, contribuindo para uma abordagem mais abrangente e colaborativa na carreira desses profissionais.

Além disso, torna-se crucial desenvolver opções de financiamento direcionadas a profissionais no início de suas carreiras, proporcionando-lhes meios para avançar profissionalmente. A promoção de programas de mentoria dentro de associações profissionais é igualmente fundamental. É essencial destacar a importância de iniciativas direcionadas, especialmente para mães cientistas, como a Ana Luiza, que estão no início de suas trajetórias profissionais. Isso contribuirá não apenas para a equidade de gênero, mas também para o apoio específico necessário para esse grupo, considerando suas circunstâncias únicas.

No Brasil, há numerosas iniciativas que também podem ilustrar as contribuições da mulher no empreendedorismo e na ciência. Entretanto, as barreiras culturais e institucionais ainda são presentes e significativas. A universidade tem uma contribuição relevante e deve ser um exemplo para outros segmentos da sociedade. Nesse sentido, podemos ressaltar a criação do Escritório USP Mulheres, e o Programa Vem Saber, no campus de São Carlos, entre outras ações em prol do empoderamento das mulheres e da motivação e inserção de jovens na carreira de cientistas.

Decisões de políticas públicas, na educação, ciência e tecnologia principalmente, além do engajamento das empresas, são necessárias para que, de fato, jovens talentosos e com potencial, principalmente as mulheres, encontrem na carreira científica os incentivos e ambiente adequados para que cresçam e produzam, e que, sobretudo, encontrem condições de bem-estar para si e suas famílias. Cabe ao sistema educacional e de ciência e tecnologia ampliar as oportunidades para que a sociedade seja capaz de, genuinamente, acolher e valorizar as capacidades de seus jovens.

Essas iniciativas combinadas podem criar um ambiente propício para o crescimento e sucesso dos jovens cientistas no campo agroalimentar.

*Membros do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Combate à Fome: Estratégias e políticas públicas para a realização do direito humano à alimentação adequada – Abordagem transdisciplinar de sistemas alimentares com apoio de Inteligência Artificial
E-mail INCT Combate à Fome – inctcombatefome@usp.br

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