Educação em tempos de ensino remoto

Por Lucilene Cury, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, e Katherine Athaydes Leal, estudante de Publicidade e Propaganda, da Escola de Comunicações e Artes da USP

 11/01/2021 - Publicado há 3 anos
Lucilene Cury – Foto: Acervo pessoal
Katherine Athaydes Leal – Foto: Acervo pessoal
Na atualidade, em que uma crise sanitária sem precedentes arrasa o mundo e altera o estado das coisas, é possível ver com entusiasmo o desenvolvimento de novos caminhos da ciência, desde o interesse dos jovens estudantes de Graduação pela pesquisa científica, até a estratégia da ciência de se fazer colaborativa, que tem juntado países, universidades e laboratórios de todo o mundo, na busca de vacinas e tratamentos que sejam capazes de amenizar a grave doença que já dizimou mais de 1,9 milhão de pessoas, segundo dados do Wordometer, atualizados em 11 de janeiro, e divulgados pelo Poder 360.

Com a intenção principal de motivar estudos científicos entre alunos da Universidade de São Paulo, apresenta-se aqui, o projeto intitulado: “O comportamento comunicativo dos jovens de hoje com a presença marcante das mídias digitais e dos aparelhos celulares (2019-2020)”, para mostrar também o envolvimento dos estudantes nos trabalhos de iniciação científica e, com isso incentivar outros jovens para que passem a realizar pesquisas, com o olhar próprio desta nova geração e, que a partir disso, possam divulgar seus resultados para outros jovens e para a sociedade como um todo, fim último da ciência.

A pesquisa vem sendo desenvolvida desde 2019 e segue até o segundo semestre de 2021, já foi capaz de apresentar alguns resultados, que podem ser aqui destacados, principalmente no que diz respeito ao comportamento de alunos de ensino fundamental e ensino médio durante o período de quarentena e mostra um processo de educação alterado em sua totalidade, pela utilização constante das plataformas digitais para o desenvolvimento de aulas e demais trabalhos acadêmicos, sempre realizados online.

Assim, muitas complicações surgiram, especialmente as relacionadas à dificuldade de acesso dos alunos a dispositivos eletrônicos e ao sinal de Internet de qualidade. Além disso, também podem ser relatadas inúmeras outras dificuldades de aprendizagem, propriamente dita, relacionadas às perspectivas dos alunos, tendo em vista a necessidade de manter o isolamento social e, com isso, a impossibilidade de ver os amigos; de interagir pessoalmente com os professores, dentre outras atividades somente possíveis através da presença física, do contato humano, do diálogo necessário para que o processo de educação seja realizado de modo completo. Como consequência, o entusiasmo dos jovens estudantes vem se mostrando baixíssimo durante os períodos de quarentena e todas essas sensações apresentam reflexos negativos diretamente associados ao desempenho escolar.

Durante a pesquisa realizada e conduzida ao longo da pandemia, de forma 100% remota, 146 alunos entre 13 e 18 anos, de escolas públicas e particulares de todas as regiões brasileiras foram questionados a respeito de sua rotina durante a quarentena. Desses, 110 estavam tendo alguma forma de aula a distância e responderam a questões acerca do tema da investigação. Destaca-se que grande parte dos entrevistados não se adaptou bem ao modelo e apenas 5,5% dos estudantes disseram se sentir completamente satisfeitos com as aulas e cerca de 65% deles, alegaram que os professores tornaram- se consideravelmente mais exigentes durante o período das aulas não presenciais.

Os principais resultados encontrados mostram claramente que os estudantes estão, de fato, muito desmotivados. sendo que boa parte desse desânimo está diretamente relacionada ao contexto da pandemia de modo geral e, não somente ao modelo de educação online em si, pois não há possibilidade de estudo satisfatório em meio a sentimentos de ansiedade, tristeza, esgotamento e medo (essas foram as sensações mais relatadas pelos estudantes durante a pesquisa) e é por isso que, pensar a educação sob a ótica dos alunos é muito importante, o que torna esta pesquisa particularmente interessante.

Para além das adversidades e limitações que o ensino não presencial apresenta, entende-se também que é impossível discutir educação e tecnologia, sem realizar um recorte de classe socioeconômica, para mostrar as diferenças entre as percepções dos estudantes de escolas públicas e os de escolas privadas. Essas são bem expressivas e provavelmente relacionadas a fatores que muitas vezes escapam às próprias questões referentes à escola (como o modelo de aulas adotado), abrangendo dilemas relacionados ao ambiente de estudo do adolescente dentro de casa, aos aparelhos tecnológicos utilizados e à relação dos jovens com a família.

É possível relatar pelos resultados da pesquisa, que a média de satisfação dos alunos de escolas particulares e públicas em relação às aulas online diverge significativamente: em uma escala de 1 a 5, sendo 1 pouco satisfeito e 5 muito satisfeito: a pontuação média dos alunos de escola particular foi de 3,04, contra 2,53 para estudantes do ensino público. Ao mesmo tempo, tendo em vista essa mesma escala, a percepção de entendimento de conteúdos pelos alunos de escola privada foi de 2,84 contra 2,4 para estudantes de escola pública.

Muitos fatores podem ser atribuídos a isso, mas destacam-se, em especial, questões como acesso a computadores e aparelhos de qualidade, conexão de internet, ambiente propício para estudos e a relação dos estudantes dentro do próprio ambiente familiar. Deste modo, percebe-se que as aulas online durante a pandemia se desenrolaram com um modelo pouco estimulante e eficaz.

Primeiramente, para além das questões relacionadas ao estado de isolamento, destaca-se que todos os processos de aprendizagem foram intermediados pelas tecnologias de alguma forma – e nem poderia ter ocorrido de outra maneira – mas a percepção obtida é a de que os instrumentos tecnológicos atuaram como principais protagonistas no ato de ensinar, já que o contato com amigos, professores e todo o círculo social não foi possível durante o período, concedendo à tecnologia uma monopolização do processos.

Além disso, muitos dos conteúdos foram ensinados de maneira a se limitarem a gravações de vídeo, áudio ou textos, sem uma associação plena entre plataformas e com uma alta dependência dos meios tecnológicos, pois, nesse caso, a situação se deu por circunstâncias completamente atípicas e causadas pela pandemia, sem uma programação adequada ao que é na realidade, a educação na modalidade a distância. Entretanto, foi possível considerar a experiência do ensino a distância segundo esses modelos tecnológicos, a ponto de verificar que ele comprometeu as interações entre os alunos, colegas e professores, o que prejudicou o processo de aprendizagem, segundo os relatos dos próprios estudantes:

“As aulas presenciais são melhores, pois a comunicação é mais fácil e o convívio social também é importante”.

“Eu acho que os professores fazem falta, pois não é só o ensino, é também a empatia, convivência, carinho, a atenção que os professores têm com os alunos que faz a diferença no ensino”.

Em meio a todos os descompassos e dificuldades desse período estudado durante a pandemia, percebeu-se também o quanto ainda falta discutir a educação mediada pelas tecnologias digitais, agora com especial urgência, uma vez que o processo de ensino remoto deve permanecer por algum tempo, até que as aulas possam voltar a ser presenciais.

Experiências de educação no exterior, como é o caso do professor de matemática da Universidade Grand Valley State, Robert Talbert, nos Estados Unidos, demonstra como ele incorporou as novas tecnologias digitais em seu processo de ensino, utilizando o método de Flipped Learning – que basicamente consiste em um modelo de ensino invertido, em que todo o conteúdo técnico das aulas é dado por meio de vídeos, textos e até mesmo áudios, no período anterior à aula, como uma “Pré-Lição de Casa”. Desse modo, os estudantes aprendem o conteúdo teórico das aulas sozinhos e todo o desenvolvimento das informações é potencializado e aprimorado em classe.

Segundo Talbert, esse formato de ensino permite que os alunos sejam encarregados de construir um conhecimento básico antes da aula, com conteúdo mais técnico e informacional, como os princípios de uma teoria ou as ideias iniciais a respeito de um acontecimento histórico; enquanto o período em sala de aula é dedicado ao aprofundamento desses entendimentos, de modo que a etapa mais complexa do aprender seja totalmente delegada ao educador, sem que ele tenha que, antes disso, introduzir ideias básicas, meramente memorizáveis, que consomem um tempo precioso de aulas.

Já no colégio Slackwood Elementary School, também nos Estados Unidos, o uso de inteligência artificial para o aprendizado foi a forma encontrada para otimizar o processo de ensino das aulas de matemática. Por meio do programa de inteligência artificial da startup Happy Numbers, fundada e administrada pelos empreendedores Ivan Kolomiets e Evgeny Milyutin, os alunos têm acesso a uma apostila completamente personalizada, que consegue identificar as dificuldades individuais e inserir exercícios de reforço diferenciados para cada aluno. Segundo o próprio aplicativo, o Happy Numbers atua para que os professores possam auxiliar pequenos grupos da sala enquanto o programa elabora instruções individualizadas para o resto da classe e gera actionable insights sobre o desempenho de cada aluno. Deste modo, as aulas tornam-se mais dinâmicas e atraentes para os alunos, ao mesmo tempo que otimizam o trabalho do educador (principalmente quando são turmas grandes, com alunos mais novos, que precisam de mais suporte para aprender).

Além de métodos disruptivos de ensino, o Flipped Learning do professor Robert Talbert e o Happy Numbers do colégio Slackwood compartilham outras duas grandes características em comum: a utilização da tecnologia como auxiliar ao professor, de modo a não somente amparar o seu trabalho, como também permitir que o período de aula seja mais produtivo, com uma concepção de aula que enxerga o ponto de vista do aluno, seja por meio da personalização de atividades, seja pela utilização de métodos que ampliem a visão do aluno.

Evidentemente, não é possível afirmar ainda que as chamadas aulas invertidas ou que a inteligência artificial sejam as formas mais efetivas de melhorar o aprendizado e a experiência dos alunos, mas é possível inferir que ambas seguem um caminho que reforça a função dos docentes, juntamente com as aulas presenciais, ou seja, um tipo de educação que se convencionou chamar de híbrida, pois, uma aula não pode ser substituída por um vídeo, um podcast, uma máquina ou até mesmo um livro. Com isso, a discussão deve ser feita de modo complexo, para além da tecnologia e de modo a enfatizar especialmente os métodos educacionais hoje valorizados pelas instituições de ensino; o papel e a importância do professor em sala de aula, a fim de que seja possível a construção de um novo tipo de ensino.

No caso do Brasil, o uso de tecnologia é relativamente bem difundido: cerca de 55% dos professores da rede pública afirmam utilizar ferramentas digitais regularmente (segundo um estudo do Instituto de Pesquisas DataFolha, 2017), ainda que de maneira limitada em razão da falta de recursos de banda larga, equipamentos de qualidade e conhecimentos em informática.

No entanto, os métodos de incorporação das tecnologias em sala de aula ainda não correspondem a um formato capaz de transcender completamente os modelos tradicionais de ensino. É evidente que em um país onde menos de 30% dos estudantes têm acesso a computadores com internet nas escolas, – segundo dados da Agência Brasil/EBC, 2018 – discutir inovação nos métodos de aprender parece estar longe das prioridades, mas não deveria estar, já que a realidade da cibercultura está presente em todos os espaços e afeta diretamente a vida das pessoas, mesmo as que não têm acesso a celulares ou à Internet.

Considerações finais

Com o avanço crescente na utilização das tecnologias digitais entre as classes privilegiadas no Brasil e em escolas estrangeiras, a ameaça aos modelos tradicionais de educação é cada vez maior, o que acabará por contribuir com o acirramento do já preocupante nível de desigualdade social e de acesso às tecnologias digitais na Educação. Antes mesmo de ser uma maneira divertida e prática de engajar os alunos em sala de aula e de promover a otimização do ensino, a educação mediada pelo uso de tecnologias digitais deve ser uma forma de emancipar os estudantes e de inseri-los em uma realidade amplamente difundida em todo o mundo, passando, portanto, a promover a inclusão social, o que em muito deve colaborar para a existência de um mundo melhor e, melhor para todos.

Com isso, a pesquisa em desenvolvimento, na sua segunda fase, propõe-se a verificar quais são essas possibilidades, segundo o ponto de vista próprio dos jovens estudantes e a elaborar um modelo a ser apresentado em escolas públicas e privadas, como contribuição para uma melhor apresentação do conteúdo e, consequentemente, servir como um exemplo capaz de levar à melhoria do processo de educação.

 


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