Relatório recomenda reflexão sobre uso da tecnologia na educação

Útil para a aprendizagem, tecnologia não pode ser um fim em si mesma, enfatiza estudo da USP

 19/10/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 07/11/2018 as 15:26
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“É preciso uma conscientização sobre as implicações associadas, as consequências inerentes a seu uso como instrumento educacional”, destaca o relatório a respeito do uso das novas tecnologias na sala de aula – Ilustração: Caio Vinícius Bonifácio

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“São inúmeras as possibilidades do uso das tecnologias informáticas na escola. Não se pode ignorar que os alunos vivem num mundo de intenso uso da tecnologia, principalmente na área de comunicação, e que os recursos digitais se tornam cada vez mais fundamentais para a realização de quase todas as tarefas.”

Essas palavras abrem a sessão sobre tecnologias, educação a distância e escola integral do relatório produzido pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP com reflexões e propostas para a educação básica. O documento é fruto de um ciclo de seminários organizado entre 2017 e 2018 para distinguir os desafios reais das dificuldades aparentes que o tema concentra, conforme anunciou o Jornal da USP em julho passado (leia reportagem neste link). O uso de tecnologias e o aumento do ensino a distância foram temas do terceiro encontro, realizado em 22 de novembro de 2017. A íntegra do relatório do IEA está disponível neste link.

“A tecnologia está aí e o elogio de suas potencialidades educativas não pode dispensar a explicitação de seus limites no que se refere à consideração dos fins da vida humana”, alerta o texto. “Seu uso adequado pode contribuir para a criação de condições favoráveis ao exercício da cidadania, constituindo um auxílio importante na tomada de decisões. Mas é preciso uma conscientização sobre as implicações associadas, as consequências inerentes a seu uso como instrumento educacional.”

De acordo com o documento, dois pontos são cruciais no tratamento da questão. O primeiro envolve o entendimento de que as tecnologias são recursos importantes, mas que pertencem à ordem dos meios, não devendo constituir os fins das ações educacionais.

O outro ponto é um alerta ao uso acrítico dos instrumentos tecnológicos. Segundo o relatório, a tendência alimenta um recado pernicioso para a educação, de que o novo é sempre melhor que o velho. “Na ausência de projetos norteadores das ações educacionais, por mais interessantes e expressivos que sejam os recursos tecnológicos, a sensação inevitável é a de inversão de perspectivas”, destaca o texto. “Satisfazer-se com o que seria apenas meio como se fosse o fim de nossas ações é a marca da mediocridade.”

“O fascínio acrítico por tudo que deriva da tecnologia é típico de neófitos, na mesma medida em que a sua recusa sistemática é patética” – Ilustração: Caio Vinícius Bonifácio

A relação entre simulação e pessoalidade é um dos itens que exemplificam essa reflexão que o documento recomenda. “Um dos mais fecundos espaços criados pelas tecnologias é o das simulações”, registra o texto. “No exercício de um número cada vez maior de profissões, sistemas como o CAD (Computer-Aided Design) adquirem importância crescente. O merecido valor atribuído a tal recurso não pode conduzir a desvios do tipo substituição: nas relações humanas, por exemplo, não se pode abdicar do ser em função do mero parecer. A realidade virtual, por mais vivas que sejam as suas cores, não pode assumir o lugar da realidade concreta, do mundo que habitamos, e pelo qual somos responsáveis.”

Ao mesmo tempo, a necessidade de superar a polarização entre o fascínio da tecnologia e a recusa de seu uso é outro destaque. “O fascínio acrítico por tudo que dela deriva é típico de neófitos”, aponta, “na mesma medida em que a sua recusa sistemática é patética.” A transformação que a tecnologia opera em nossa relação com o tempo também é alvo de comentários. “A sucessão de tecnologias emergentes induz à crença de que, quanto mais rapidamente se realiza uma tarefa, tanto melhor, mas a rapidez não pode ser confundida com pressa.”

O relatório expressa ainda preocupação com a pessoalidade das informações e a privacidade radicalmente alteradas pelas novas tecnologias e as redes sociais, destacando a necessidade de reflexão sobre seus usos. “Se não se preserva um sentido de privacidade, se não se tem vergonha ou pudor de expor tão indiscriminadamente certos aspectos pessoais da existência, uma parte expressiva do espaço dos valores pessoais também resulta comprometida”, ressalta o documento.

Para o professor da Faculdade de Educação da USP Nílson José Machado, coordenador do grupo de estudos responsável pela organização do documento, algumas das pautas suscitadas pelas novas tecnologias sempre estiveram presentes na educação. Machado cita como exemplo a discussão sobre ensino a distância.

“A formação é híbrida, na relação presencial e a distância. Sempre foi”, comenta. “Sempre houve a lição de casa, que é educação a distância. Você aprende olhando para o professor e depois leva a lição para a casa, aprende sem estar na frente do professor. E, hoje, a tecnologia favorece outras formas de você estar próximo, como o e-mail, o Skype. Eu acho que qualquer curso 100% presencial é um desperdício.”

Nessa relação entre ensino presencial e a distância, o coordenador do grupo de estudos refuta também a ideia de educação em tempo integral. Para Machado, a solução não é manter o estudante o dia todo na escola, mas pensar na educação como um processo que acompanha o seu dia a dia, ao longo de toda a vida.

“A ideia de uma aprendizagem ubíqua prepondera. Você aprende onde quer que esteja. Em nenhum lugar do mundo estão querendo mais que os alunos da escola básica fiquem o dia inteiro na escola. É uma mistura de educação integral com educação em tempo integral.”

Projeções

“A aula expositiva, tipo palestra, desaparecerá quase completamente. O professor se tornará o guia do estudante em seu próprio processo de aprendizagem”, segundo a previsão do professor Marcos Formiga, da Universidade de Brasília (UnB) – Ilustração: Caio Vinícius Bonifácio

Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Marcos Formiga, um dos participantes do seminário, a educação de qualidade deve priorizar o estudante, com ações concentradas na educação básica, que considera um dos pilares de um projeto de nação. Nessa perspectiva, Formiga faz projeções para 2030, conforme registra o relatório.

“A aula expositiva, tipo palestra, desaparecerá quase completamente”, pondera. “O professor se tornará o guia do estudante em seu próprio processo de aprendizagem. Os processos de avaliação também deverão se tornar mais abrangentes, com a diminuição dos pesos das provas ou exames finais. A aprendizagem será personalizada, permanente ao longo da vida. Os currículos serão desmontados, serão desenhados de acordo com as necessidades de cada um. As habilidades individuais prevalecerão diante do mero desempenho no conhecimento acadêmico.”

Formiga também aponta as tendências na tecnologia. “A internet será, cada vez mais, a principal fonte de informações para a construção do conhecimento e o inglês se tornará crescentemente a língua majoritária. A escola e a internet comporão um ambiente impregnado de Tecnologias de Informação e de Comunicação (TIC), o que colocará de cabeça para baixo as formas tradicionais de aprender, alterando o modo de vida dos professores, pais e alunos. As escolas se tornarão redes em que os alunos interagem entre si e com o professor, de modo a ocorrer uma aprendizagem colaborativa.”

O professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador do grupo de estudos sobre educação do IEA Nílson José Machado – Foto: Jorge Maruta/USP Imagens
O professor da Universidade de Brasília Marcos Formiga: “As escolas se tornarão redes em que os alunos interagem entre si e com o professor” – Foto: Acervo IEA

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