Espaço aéreo da Rocinha é fechado para facilitar sobrevoo de helicópteros oficiais – Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
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A intervenção do Exército no Rio de Janeiro se deu sob o signo da emergência e marcada pela improvisação. Ao repetir caminhos como esses, as chances de fracasso são grandes. A análise é do sociólogo Marcos César Alvarez, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, que vem desenvolvendo, ao longo de sua carreira acadêmica, pesquisas com perspectivas históricas que contribuem para um debate público mais qualificado: superar desafios e compreender as raízes que sustentam as práticas atuais de políticas públicas de segurança para a população brasileira.
Citando um conceito da sociologia, “pânicos morais ou medos coletivos”, situação em que há uma ameaça real, mas que as pessoas reagem de maneira errada ou exagerada, seria possível explicar as decisões impulsivas do governo federal na cidade fluminense. Alvarez afirmou que não se resolve o problema da criminalidade e da violência apenas colocando o Exército para cumprir o papel de policiamento ostensivo. “É necessário refletir sobre questões mais profundas, como o descumprimento e a supressão de direitos, a desigualdade social e, sobretudo, a descontinuidade de políticas estruturais de segurança pública.”
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Estigmatizar e punir sem incluir
Em uma de suas pesquisas, o sociólogo analisou pastas e prontuários de adolescentes que passaram pelo complexo da Febem no Tatuapé, São Paulo, desativado em 2006 para dar lugar a um parque estadual. A situação de vulnerabilidade social já se revelava em meio às informações obtidas nos perfis socioeconômicos dos menores. Naquela época, “já não havia grande preocupação em relação a garantias de direitos (educação, saúde e lazer) às crianças e jovens pobres ou em conflitos com a lei que viviam na periferia de São Paulo. As meninas, por exemplo, tinham no máximo a expectativa de trabalho doméstico em uma das residências de bairros mais nobres de São Paulo”, explica.
Na opinião do sociólogo, a população corre o risco de retrocesso de políticas públicas voltadas para jovens e adolescentes. Referindo-se às críticas feitas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Alvarez afirma que os próprios meios de comunicação colaboram para a deslegitimação do Estatuto. A mídia destaca atos de violência cometidos ou atribuídos a crianças e jovens, geralmente negros e pobres, reforçando um senso comum favorável à redução da idade da responsabilidade penal. “Diante dessa realidade, corre-se o risco de um retorno a um tratamento apenas punitivo do infrator”, acrescenta.
Outra pesquisa desenvolvida no NEV, sob a coordenação do professor Alvarez, foi Políticas de segurança pública em São Paulo: uma perspectiva histórica. O estudo apresenta dados que reforçam que as ações governamentais sempre tiveram, na prática, caráter punitivo e autoritário, o que na opinião do sociólogo não vem surtindo resultados eficazes contra o problema da criminalidade. A pesquisa foi feita em três períodos distintos: de 1880 a 1900 (passagem do período monárquico para o republicano), de 1937 a 1950 (Estado Novo – reorganização do estado democrático) e de 1960 a 1974 (ditadura militar).
Embora os períodos escolhidos tivessem contextos políticos, econômicos e sociais diferentes, a pesquisa teve o desafio de encontrar explicações comparáveis entre si ou que proporcionassem verificar uma tendência das práticas adotadas pelos governantes da época. Ao longo de décadas, a justiça criminal juvenil no Brasil acabou estigmatizando determinados grupos como potencialmente perigosos, sem que em contrapartida estes tivessem sido incluídos no âmbito da cidadania, afirma.
Deste modo, as pesquisas que adotam a perspectiva histórica no âmbito da sociologia possibilitam a qualificação dos debates e apontam para iniciativas mais coerentes a serem adotadas pelos políticos e operadores da área, conclui Alvarez.
Mais informações: mcalvarez@usp.br, (11) 3091-3716, com o pesquisador Marcos Cesar Alvarez