Escola rural em São Paulo queria conter expansão migratória brasileira

Na década de 1930, ensino rural era incentivado como meio para manter as famílias no campo

 19/09/2017 - Publicado há 7 anos
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A professora Noêmia Cruz em uma de suas atividades agrícolas com as crianças. Nas hortas, se cultivava de tudo: verduras, legumes e outras hortaliças – Foto: Acervo do Núcleo de Documentação do Instituto Butantan/Grupo Escolar Rural

A professora Noêmia Cruz foi um ícone pedagógico de ensino rural no Brasil em meados do século passado. Adepta da pedagogia ativa, ela articulava o conteúdo oficial de ensino do Estado de São Paulo com atividades agrícolas e cuidados com os animais. As aulas aconteciam no Instituto Butantan e tudo foi devidamente registrado em fotografias e relatórios pela própria professora. A história de Noêmia e seu pioneirismo pedagógico ruralista foram resgatados por uma pesquisa feita na Faculdade de Educação (FE) da USP.

O contexto político e social econômico que vivia o Brasil naquele período era peculiar. Ariadne Lopes Ecar, autora do estudo, buscava entender o porquê de uma escola rural ter sido instalada justamente em São Paulo, que na década de 1930 já estava em franca expansão urbanística. Neste período, na primeira fase republicana brasileira, embora o Brasil estivesse vivendo o auge da industrialização, havia um movimento contra a expansão migratória e em prol da fixação das pessoas no campo. O discurso predominante era utilizar mão de obra rural para alavancar o crescimento econômico. O então presidente da República, Getúlio Vargas, buscava construir uma imagem nacionalista de um país pujante que se desenvolvia por meio da agricultura. O bairro do Butantã, onde estava localizada a escola de Noêmia Cruz, possuía características híbridas – rural/urbana, espaço ideal para a construção de uma nova pedagogia.

Pesagem de alimentos e animais. A experiência servia para o aprendizado de matemática – Foto: Acervo do Núcleo de Documentação do Instituto Butantan- Grupo Escolar Rural

Noêmia tinha envolvimento profundo com as crianças e com as atividades de campo e escolares que desenvolvia com elas. Os trabalhos eram espontâneos, os alunos tinham contato com a natureza, brincavam e aprendiam cuidados consigo mesmas, com os colegas e com os animais. De acordo com Noêmia, a educação rural convertia a criança em um “investigador da própria experiência, mediante um processo lógico que ia da observação à abstração e à generalização”, relata Ariadne.

Na escola, por exemplo, era comum a professora ter uma colmeia para proporcionar aos alunos estudos práticos sobre produção de mel e cultura de abelhas. Havia o envolvimento dos pais, que ofertavam mudas de plantas e doações de animais para as aulas. No caso das abelhas, no início, houve um pouco de resistência porque as crianças tinham receio de serem picadas pelos insetos. Aos poucos, se acostumaram e puderam sorver todo o aprendizado contido na experiência: observação dos insetos, transporte de pólen, elaboração do mel, reprodução animal, coordenação de trabalho e vida em comunidade.

Ensino multidisciplinar

Nas práticas agrícolas, as crianças da escola plantavam de tudo em canteiros que elas próprias faziam: desde mudas de ervas medicinais caseiras, alface, couve, até sementes de feijão, milho, soja, melão, abóbora, pepino, melancia e girassol. Os alunos traziam de casa as mudas e as sementes e trocavam entre si. Durante o plantio, cultivo e colheita, Noêmia aproveitava para passar conhecimentos alusivos ao conteúdo escolar de geometria, aritmética e português.

As aulas também aconteciam em salas fechadas, mas eram modernas para os padrões da época. O mobiliário e os objetos pedagógicos ficavam dispostos de forma a estimular o ensino multidisciplinar. Em uma das fotografias do acervo de Noêmia foi possível identificar a preocupação que a professora tinha com a multidisciplinaridade. Carteiras duplas, dois álbuns seriados – um com iniciação geográfica e outro com fotos de animais domésticos; duas lousas com conteúdos diferentes: uma com quadro frontal com o sistema métrico decimal e na outra, palavras escritas e a demonstração do verbo “ser” no singular e no plural.

Embora a proposta de Noêmia Cruz tenha sido criticada por ter sido desenvolvida no auge da industrialização brasileira, foi reconhecida pelos seus pares como uma experiência de êxito. Noêmia Cruz ganhou reconhecimento pelo seu trabalho já no ano de 1934, no Primeiro Congresso de Ensino Regional, que ocorreu na Bahia, ainda colhendo frutos de sua experiência anos depois, no Oitavo Congresso Brasileiro de Educação, em 1942. “A experiência pedagógica de Noêmia Cruz tornou-se conhecida não somente no estado de São Paulo, como em todo o Brasil. Seu trabalho continua sendo atualmente objeto de reflexão sobre o ensino rural realizado até a década de 1930”, conclui a autora da pesquisa.

A tese Debates sobre o ensino rural no Brasil e a prática pedagógica de Noêmia Saraiva de Mattos Cruz no Grupo Escolar Rural de Butantan (1932-1943) foi defendida em maio de 2017 e teve orientação da professora Diana Gonçalves Vidal, da FE.

Mais informações: e-mail ariadneecar@gmail.com com Ariadne Ecar


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