Cientistas receberam com satisfação e alívio as declarações do ministro Marcos Pontes sobre a necessidade de enfrentamento das mudanças climáticas pelo Brasil. Em entrevista ao Jornal da USP, publicada nesta quarta (13), o astronauta, engenheiro e atual chefe da pasta de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) disse que as mudanças climáticas são “um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta”, e que o País não pode ignorar os alertas da ciência sobre os riscos do aquecimento global.
Foi a primeira vez que Pontes se posicionou publicamente sobre o tema, contrariando o discurso negacionista que tem prevalecido no governo federal até agora. “Foi uma grata surpresa”, disse o meteorologista Tercio Ambrizzi, professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) e coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, “estava todo mundo com um pé atrás”, por conta das declarações de outras lideranças do governo — minimizando ou até negando a problemática das mudanças climáticas — e da falta de um posicionamento oficial do ministro de Ciência e Tecnologia.
“O posicionamento é muito bem-vindo e bastante significativo — na verdade, um alento e alívio para a comunidade científica que atua sobre o tema”, disse a bióloga Mercedes Bustamante, professora titular da Universidade de Brasília (UnB), especialista em mudanças ambientais globais e colaboradora de vários painéis internacionais sobre clima e biodiversidade. “O MCTIC tem um papel central na preparação do Brasil para lidar com as consequências da mudança climática e também no apoio às pesquisas que permitam ao País reduzir sua contribuição nas emissões de gases de efeito estufa. Adicionalmente, é o ministério oficialmente responsável pela elaboração do Inventário Nacional de Emissões e Remoções. É importante saber que tais atividades continuam sendo prioridades para o ministério.”
“Ele respondeu aos anseios da comunidade científica, o que é muito bom”, avaliou Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP, especialista em mudanças climáticas e física aplicada a problemas ambientais. “Precisamos de ações fortes para lidar com mitigação e adaptação às mudanças climáticas no Brasil.”
Carlos Nobre, pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), também especialista em mudanças climáticas e pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, disse ter recebido a entrevista como “um sinal alentador de que o ministro Pontes demonstra bom senso e entende a importância de tema tão relevante para o futuro da humanidade”. “E com esperança que a voz da ciência convença o governo como um todo”, completou.
Outros pesquisadores também disseram torcer para que a postura de Pontes sinalize uma mudança no posicionamento do governo Bolsonaro, que em vários momentos ameaçou tirar o Brasil do Acordo de Paris — argumentando que ele representava uma ameaça à soberania do País — e retirou a oferta do Brasil de sediar a próxima conferência do clima da ONU, em novembro. A reunião foi transferida para o Chile.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em várias ocasiões minimizou o problema das mudanças climáticas e até desdenhou dos esforços da ONU para lidar com o assunto. Já o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, classifica o aquecimento global como uma ideologia de esquerda. O tema foi apagado da estrutura administrativa de ambas as pastas logo no início do governo.
“O tema da mudança climática é transversal e afeta vários setores do Estado, além das nossas relações com outros países”, afirma Mercedes, da UnB. “As demais pastas devem à população brasileira um posicionamento responsável e bem embasado tecnicamente, que se reflitam em ações efetivas. A inação ou o atraso nas ações pode se traduzir em perdas de recursos materiais, de vidas e de oportunidades de desenvolvimento com sustentabilidade e equidade.”
Desastres como os de Mariana e Brumadinho, e eventos climáticos extremos, como a recente tempestade que inundou o Rio de Janeiro, são alertas de que as questões ambientais precisam ser levadas a sério, diz Ambrizzi, do IAG. “Os negacionistas, na verdade, são achistas, porque não fazem pesquisa e não vão atrás dos dados corretos”, diz ele.
“O ministro Marcos Pontes é o único membro da equipe do governo do presidente Jair Bolsonaro que tem tratado o tema de mudanças climáticas com a devida compreensão e responsabilidade”, disse Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, uma coalizão de dezenas de organizações não governamentais e movimentos sociais. “Mas, assim como uma ‘andorinha só não faz verão’, por ora não está claro se o conhecimento do ministro Pontes e a contribuição do MCTIC sobre mudança do clima serão capazes de influenciar o presidente Jair Bolsonaro e os negacionistas que chefiam ministérios importantes para o progresso do Brasil.”