Vitória da ultradireita nas eleições presidenciais argentinas pode impactar cenário geopolítico

A advertência é do professor Amâncio Jorge ao observar que o discurso do candidato Javier Milei é de muita ruptura, o que pode colocar em risco a integração sul-americana e a estabilidade do Mercosul

 04/09/2023 - Publicado há 8 meses
O cenário de crise econômica, desemprego e, consequentemente, descontentamento e desencanto da sociedade argentina com a política favorece uma série de soluções extremas –  Foto: Brian Barbutti – Flickr
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Pesquisas indicam o avanço do candidato ultradireitista da Argentina, Javier Milei, nas prévias das eleições presidenciais que irão ocorrer em 22 de outubro. Na liderança, Milei apresenta 38,5% das intenções de votos válidos, o segundo colocado, Sergio Massa, tem 32,3%, e, em terceiro lugar, Patricia Bullrich, com 23,7%. 

O governo brasileiro já demonstrou preocupação caso uma onda de extrema-direita se instale no país vizinho e teme impacto na integração regional. “Toda a situação política num país extremo, como é o caso da Argentina, a tendência de gerar soluções extremadas é proporcional”, explica Amâncio Jorge, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP. 

O cenário de crise econômica, desemprego e, consequentemente, descontentamento e desencanto da sociedade com a política favorece uma série de soluções extremas, sejam elas de esquerda ou direita. “O que está acontecendo na Argentina é um reflexo muito claro dessa situação de crise aguda que se vive no país”, comenta Jorge.  

Apoio de Milei

Amâncio Jorge de Oliveira – Foto: Caeni/IRI

O professor também ressalta o papel do público jovem no apoio e força política de Javier Milei, que pode levá-lo a vencer as eleições, uma vez que transmite uma ideia de “antipolítica”. Nesse sentido, curiosamente, conforme apontado pelo especialista, o discurso do ultradireitista leva a crer em um cenário revolucionário de viés anarcocapitalista e libertino. 

“Portanto, é um fenômeno de deslocamento do peronismo, que é um fenômeno estrutural absolutamente impressionante que está acontecendo na Argentina”, pontua o professor ao indicar o apoio popular ao discurso agressivo de Milei. 

Relação Argentina-Brasil 

Durante os últimos anos, de acordo com Jorge, pôde-se observar uma possível inversão nas orientações políticas da Argentina e Brasil, ou seja, um governo de extrema-direita argentino e de centro-esquerda brasileiro. Essa falta de sintonia entre os dois principais países gera uma disfuncionalidade e eventuais atritos, uma vez que é necessário certa similaridade de bases para avançar na relação internacional. 

Dessa forma, a depender da vitória de Javier Milei e sua maneira de governar, o professor ressalta apreensão no contexto geopolítico, especialmente, latino-americano. “O discurso dele é de muita ruptura, inclusive, com o segundo parceiro comercial da  Argentina, a China, e com condições difíceis também de negociação com o Brasil. Portanto, para o Mercosul a Integração sul-americana é um elemento de preocupação séria”, analisa Amâncio Jorge. 

Isolamento político

O professor explica que o desafio de relações internacionais com a Argentina não é só regional e sul-americano, mas repercute em diversos países, na medida em que a figura ultradireitista já declarou que pretende fazer acordos apenas com países ocidentais e “esquecer os não ocidentais”.  

“É difícil imaginar outra situação que não um retrocesso político no Mercosul, o que pode acontecer para lidar com a situação, com a chamada ‘paciência estratégica’ e pragmatismo.” Mesmo com esse discurso radical, o especialista pondera ao mencionar que outros líderes já promoveram tal agenda, mas que, no decorrer do mandato, houve uma flexibilização.

Possibilidades do resultado

Com grande probabilidade de segundo turno das eleições presidenciais entre Javier Milei e Sergio Massa, Amâncio Jorge prevê a migração dos votos da candidata de centro-direita, Patricia Bullrich, para Milei, garantindo-lhe a vitória. Além disso, outro fator que favorece o candidato de ultradireita é a dificuldade de Massa, como atual ministro da Economia do governo, de se desvincular do contexto da aguda crise econômica pela qual o país passa. 

Outro elemento importante no cenário político argentino, mencionado pelo especialista, é o alto nível de abstenção nas primárias obrigatórias, diferentemente do primeiro e segundo turnos efetivos. “A única hipótese possível para o Milei perder no segundo turno é o descolamento do voto de centro-direita – a coalisão Juntos por el Cambio – para um voto mais moderado do que a direita”, considera Jorge acerca das previsões.


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