Fama, dinheiro e poder são, em um primeiro momento, apenas palavras. Entretanto, foram o catalisador de muitos atos questionáveis ao longo da história. O que era visto como objetivos e metas humanas acabou sendo transposto para os países ao longo da história. Entretanto, diferentemente dos humanos de maneira individualizada, os Estados possuem táticas muito assertivas para conquistar esses tópicos, principalmente dinheiro e poder: hard power e soft power.
Segundo o professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Caio Gracco, essas duas táticas não são diferentes apenas conceitualmente, mas possuem, de fato, diferenças práticas. “O poder é entendido, classicamente, pelo poder militar, então é o hard power, o poder de você obrigar os outros a fazer o que você quer. O soft power, por sua vez, vai se afirmar em oposição a esse conceito de hard power e vai tentar abarcar outros recursos para convencer sem a necessidade de recorrer à violência.”
Entretanto, Gracco alerta que o poder em si não tem serventia, é necessário que haja objetivos concretos para ele. “O poder não é um fim em si mesmo, ele é um instrumento. Na teoria clássica de relações internacionais, o poder é um recurso que se acumula e utiliza para garantir segurança. No fim, o poder é um instrumento e deve ser adequado aos fins.”
Potência política da arte
Apesar de não ser um consenso enquanto teoria, os termos, criados no final da década de 1980 pelo professor Joseph Nye, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, acabou sendo abraçado e entrou dentro dos discursos como um mecanismo que evidencia o poder político e de propaganda da arte, cultura e valores.
O escritor, professor e perseguido político durante a ditadura militar brasileira Menalton Braff afirma que, mais que uma forma de propaganda política, a arte pode ser um caminho para se criar empatia com outros povos e ideologias. “A arte é o pensamento de um artista que vai ser transmitido ao público. Se pegarmos, por exemplo, o Popeye, que é um marinheiro, nós simpatizamos com ele, consequentemente, estamos nos simpatizando com aqueles que ele representa, no caso, os marinheiros norte-americanos.”
Entretanto, mais do que uma ferramenta para exportar ideologias políticas e maneiras de ver o mundo, o soft power é um mecanismo político lucrativo. Segundo dados do site Fortune, apenas o BTS, o maior grupo de k-pop, o pop coreano, gerou mais de US$ 29 bilhões para a economia sul-coreana entre os anos de 2014 e 2023. Em 2017, as estimativas eram de que, a cada 13 turistas que visitavam a Coreia do Sul, um foi por conta do BTS.
Para se ter uma noção maior do impacto do grupo na economia sul-coreana, em 2022, foi anunciado que ele daria uma pausa em suas atividades devido à prestação do serviço militar. As estimativas são de que esse hiato gere um rombo de US$ 3,6 bilhões para a economia nacional. O montante é equivalente ao que 26 empresas de porte médio geram aos cofres sul-coreanos.
Soft power em expansão
Conforme os lucros e a simpatia por esses países que se utilizam do soft power de maneira eficiente aumentam, outras maneiras de “limpar” a reputação e lucrar são criadas. É nesse contexto que o termo sportwashing nasce com o esporte como estratégia. Como exemplo, é possível citar o sediamento da Copa do Mundo de futebol masculino em 2022 no Catar, país que não possui tradição no esporte, mas carrega inúmeras denúncias de violações aos direitos humanos.
Todavia, apesar de ser utilizado, majoritariamente, contra países não ocidentais, essa prática não é exclusiva a eles. Segundo artigo publicado no site 360info pelo professor britânico especializado em geopolítica do esporte, Simon Chadwick, a Austrália e a Nova Zelândia também se utilizaram do sportwashing ao sediar a Copa do Mundo de futebol feminino em 2023.
Segundo o professor, a Austrália, há mais de uma década, é criticada pelo tratamento com os seus refugiados, mandando-os para centros de detenção em países vizinhos próximos, como Papua-Nova Guiné e Nauru. Além da questão dos refugiados, a Austrália é o único integrante da Comunidade Britânica de Nações – organização que conta com 56 membros independentes que, em algum momento, fizeram parte do Império Britânico – que não reconhece os povos indígenas em sua Constituição.
Caminho para ascensão internacional
Todavia, apesar das contradições em torno do soft power, devido às formas questionáveis com que pode ser utilizado, ainda assim ele pode ser um caminho para a ascensão internacional de países que não conseguem se impor através do hard power. “Para mim, o Brasil é o estudo de caso dessa questão, ele não possui capacidade orçamentária nem tecnológica para se impor através do poder militar como outras superpotências. Se fosse apenas pelo poderio militar, o Brasil não conseguiria explicar a posição de destaque que tem. Entretanto, o Brasil possui outros recursos de poder que justificam o seu destaque e que são de soft power, ele possui uma boa imagem com os outros países pela cultura e o povo brasileiro”, afirma Gracco.
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