Mortes no trânsito subiram 47% em cinco anos

Paulo Saldiva atribui esse número a políticas públicas que privilegiam o automóvel e ignoram medidas de controle voltadas aos motoristas

 24/07/2023 - Publicado há 9 meses

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Um prazer estar aqui falando sobre meio ambiente e saúde humana. Permita-me voltar ao cenário das metrópoles, particularmente para a cidade de São Paulo. Eu vou abordar a violência no trânsito falando sobre o evento mais grave da violência, consequentemente da saúde, que é a morte, nós não estamos bem. Comparando os dados de cinco anos passados, de 2017 a 2022, nós tivemos um salto de quase 26% nas mortes de trânsito, principalmente no tocante à motocicleta. As mortes de motociclistas passou dos 6.500, em 2017, para 9.500, em 2022,  representando um aumento de 47%. Paradoxalmente, de todos os modos de transporte, o único que caiu em cinco anos, discretamente, foi a morte de condutores de veículos, fruto dos equipamentos de segurança que foram colocados. E, por que não dizer, de uma política de mobilidade que privilegia o automóvel. Nesse cenário de uma cidade congestionada foram se perdendo os mecanismos de controle. Não se faz mais, por exemplo, um controle da alcoolemia, dos chamados bafômetros, isso foi desmontado. O limite da velocidade, que estava se reduzindo, volta a subir. Existem também aplicativos que você baixa livremente e que avisa a proximidade de controles de álcool, como também de radares detectores de excesso de velocidade, ou seja, você tem um aplicativo que ensina a burlar a lei.

A saúde pode pouco em relação a isso. Primeiro, porque o que você pode fazer na saúde é capacitar resgate pré-hospitalar, que tantas vidas tem salvado – e funciona bem em São Paulo. Capacitar hospitais de emergência, criar centros de atendimento de trauma, criar equipes de saúde que mantenham o indivíduo vivo e reparem aquele dano. Vamos lembrar que para cada morte pode-se estimar que entre duas a três vezes esses números se traduzem em pessoas com incapacidade, algumas vezes permanente, outras vezes que necessitem um longo período de reabilitação.

Quem paga a conta, nesse caso, não é somente a saúde, é a família da pessoa que sofreu acidente, que vai perder renda. E, eventualmente, a Previdência Social, que vai estabelecer uma pensão por invalidez vitalícia. O número de recursos em toda essa sequência complexa é astronômico, e a pergunta que fica é: estamos subsidiando políticas errôneas de favorecimento do automóvel, baseadas tanto na efetivação das regras de trânsito e no planejamento da cidade, baseada em planos diretores que favorecem o transporte individual? Será que nós estamos subsidiando isso com vidas humanas e também dinheiro?

Nós estamos é condicionando, devido a esse trânsito congestionado, você oferece emprego às pessoas para entregar tudo que seja rápido, seja um documentos ou alimentos, através do risco que essas pessoas se expõem, notadamente nos horários de picos de demanda, ou seja, quanto mais risco, mais eu ganho dinheiro. Mas quando você cai no chão, você não é empregado do aplicativo, do restaurante que está entregando ou da firma que mandou o documento, nem ao menos do solicitante do serviço. Acho que é chegado um momento de reduzir essa guerra, que equivale aos números de guerra no município de São Paulo. E nós estamos pagando a consequência em vidas e doenças. Eu acho que a gente precisa ter mais diálogo, e a saúde pode falar em nome daqueles que ficaram inválidos ou mortos, saber se a gente não está perdendo vidas, e se nós estamos perdendo dinheiro e também um pouco de compaixão.


Saúde e Meio Ambiente
A coluna Saúde e Meio Ambiente, com o professor Paulo Saldiva, vai ao ar toda segunda-feira às 8h, quinzenalmente, na Rádio USP (São Paulo 93,7 ; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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