
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o dispositivo do Código de Processo Penal que garante prisão especial para quem portar diploma de ensino superior. Segundo o Plenário, o instrumento perpetua um privilégio a um pequeno grupo de pessoas que possuem diploma, de cerca de 21% da população. O Plenário seguiu o entendimento de Alexandre de Moraes, o relator do caso. Na prática, isso não acaba com a prisão especial como um todo, apenas com o dispositivo que garante esse privilégio aos diplomados.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334 contra o artigo 295, inciso VII, o qual prevê esse tratamento especial. Segundo a PGR, a decisão foi tomada porque apresenta violação da dignidade humana e falta de isonomia.
O artigo prevê que, em casos de prisão cautelar – quando a pessoa é presa provisoriamente na espera da condenação penal definitiva –, as pessoas com diploma de ensino superior são levadas a celas especiais e separadas do convívio com os outros encarcerados.
Argumento dos ministros
“A decisão é correta. Realmente, o Código de Processo Penal prevê uma série de situações e de pessoas que exercem determinados cargos que têm direito à chamada prisão especial e, entre essas pessoas, estavam os portadores de diploma de nível superior”, diz o professor Gustavo Badaró, titular de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da USP. Em sua avaliação, o princípio da isonomia não justifica esse tratamento diferenciado.

Além disso, o dispositivo passa a impressão que as pessoas portadoras de diploma exercem cargos mais importantes e de melhor remuneração na sociedade, o que justificaria o tratamento diferenciado e a necessidade de uma prisão cautelar diferenciada dos demais. Isso, segundo Badaró, é um fator de discriminação, e não há nada que justifique esse tratamento diferenciado.
“Há, sim, situações que me parece que justifiquem que alguém tenha direito a uma prisão especial”, diz Badaró. “O simples fato de alguém ser portador de diploma universitário não me parece que justifique esse tratamento discriminatório”.
Questão de igualdade
O mesmo artigo do Código Penal garante a prisão especial para governadores de Estado, parlamentares, ministros de condição religiosa, pessoas já juradas no tribunal do júri, magistrados e membros do Ministério Público.
“Não deixa de ser curioso que, em relação aos membros do Ministério Público, magistrados e também advogados – digo isto porque foi a PGR que propôs essa medida –, não só o Código de Processo Penal dá direito à prisão especial como as suas leis orgânicas, no caso do estatuto da advocacia, dá direito a somente ser recolhido em sala do Estado Maior das Forças Armadas”, questiona o professor.
Mudança legislativa

De acordo com o professor, não é necessário nenhuma mudança legislativa. “No momento em que o Supremo Tribunal Federal considera inconstitucional esse dispositivo do Código de Processo Penal, que é o que autorizava essa prisão especial, ela deixa de ter fundamento legal”, ele explica.
A partir do momento em que a decisão seja publicada e se torne efetiva, pessoas que estavam em prisão especial por possuírem diploma deverão deixá-la e serem recolhidas com o restante dos presos em regime comum. Ele lembra, porém, que, na prática, a cela especial era, muitas vezes, apenas uma plaquinha escrita “cela especial” em cima de uma cela normal. Em vários casos, tratava-se de uma cela separada.
“A decisão é correta, está reparando um erro de isonomia e de tratamento desigual a pessoas iguais por um motivo que não se justifica, mas eu acho que ela é uma medida, num certo sentido, simbólica”, diz Badaró. O Estado carcerário do Brasil é lastimável e o STF já reconheceu que vivemos em um estado de coisas inconstitucional. “Se o Supremo realmente está preocupado com a condição carcerária do Brasil, ele deveria tomar medidas mais efetivas”, lembra o professor.
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