Brasil sediará primeiro laboratório de biossegurança máxima da América Latina

Localizado no Complexo Orion, em Campinas, a estrutura do tipo NB4 permitirá estudo e manipulação de vírus com alto risco de transmissão e mortalidade

 21/03/2024 - Publicado há 1 mês
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Arte conceitual do complexo laboratorial Orion – Foto: Divulgação/CNPEM
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Até 2026, o Brasil irá inaugurar o Orion, complexo laboratorial que está sendo desenvolvido em Campinas e contará com o primeiro laboratório de biossegurança de nível NB4 da América Latina. Esse é o grau de segurança mais alto que uma estrutura desse tipo pode atingir e esses locais possuem a infraestrutura necessária para serem estudados e manipulados vírus com alto grau de transmissibilidade, que podem colocar em risco a vida de operadores e da comunidade. 

O novo laboratório brasileiro será implantado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. As duas instituições firmaram acordo com o Instituto Roberto Koch, da Alemanha, para o desenvolvimento do projeto e colaboração de pesquisas futuras entre os dois países. Ana Márcia de Sá Guimarães, professora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo, analisa os diferentes níveis de biossegurança dos laboratórios e quais são os tipos de patógenos trabalhados neles.

Nível de laboratório

Segundo a especialista, os laboratórios de biossegurança variam do nível 1 ao 4, dependendo do quão perigoso são as doenças causadas pelos patógenos manipulados dentro desses ambientes em termos de transmissão e grau de risco de infecção. Ela conta que os níveis mais superiores, 3 e 4, normalmente existem para prevenir a transmissão de patógenos transmitidos por vias aéreas que podem contaminar o ambiente externo.

“Eles vão ser divididos baseados em quão sério é a doença que é causada por esses patógenos, então, quando você vai para um nível 4, estamos falando de patógenos que causam doenças muito sérias, com alto perigo de transmissão comunitária e que não se têm tratamentos ou vacinas disponíveis para  prevenir e tratar. Os vírus trabalhados dentro do NB4 são vírus do tipo lassa, ebola, nipah e alguns tipos de arenavirus”, relata.

Futuras epidemias

De acordo com a professora, essas estruturas de alta biossegurança serão fundamentais no combate a futuras epidemias e pandemias, tanto para atender à emergência quanto para a prevenção de novos surtos através da vigilância ativa. Ela explica que esse monitoramento é feito de maneira contínua por um conjunto de pesquisadores e cientistas que observam e estudam os diferentes tipos de vírus para acompanhar possíveis evoluções e mutações genéticas.

“Você precisa de um local para poder processar isso, porque você pode estar diante do caso zero de alguma coisa, então é importante ter essa estrutura laboratorial com um NB4 e também todos os NB3, que ajudam bastante com tudo que possuem. Então vai poder ser estudado mais a fundo esses vírus para desenvolver vacina, tratamento, para estudar a patogenia da doença, como que a doença se desenvolve, então isso tudo é importante”, analisa. 

Laboratórios pelo mundo

Ana Marcia de Sá Guimarães – Foto: Arquivo Pessoal

Conforme Ana Márcia Guimarães, existem atualmente cerca de 60 NB4s espalhados pelo mundo, em locais como a Europa, América do Norte e África, mas a América Latina, contudo, não contava com nenhum. Ela acredita que a falta do reconhecimento da importância de ambientes como esse e o alto custo demandado eram impeditivos para o desenvolvimento de um deles em terras brasileiras.

“Eu imagino que não tinha nenhum por essa falta de reconhecimento da importância e também falta de investimento, porque é um investimento muito alto e não apenas no momento de construir. Esse investimento precisa ser contínuo, porque é um laboratório que demanda muita manutenção e ela não pode faltar, porque ele tem que estar sempre trabalhando em 100% de seu nível de segurança”, esclarece. 

Contribuição da covid-19

Jansen de Araújo – Foto: IEA

O professor Jansen de Araújo, também do Instituto de Ciências Biomédicas, afirma que a pandemia de covid-19 contribuiu para o desenvolvimento do laboratório de nível 4 em solo brasileiro. Ele relembra o primeiro caso de paciente com coronavírus no Brasil, teve sua amostra levada para ser analisada na USP por ser um dos únicos locais do País dotado de uma estrutura de nível de biossegurança 3.

“A amostra veio para cá para ser feito o isolamento desse vírus e conseguir caracterizar o mais rápido possível, para que pudesse ser distribuído depois para os outros laboratórios fazerem diagnóstico e pensar em desenvolvimento de vacina. Então, um laboratório desse nível é muito importante para o País e a pandemia, de alguma forma, mostrou para o Brasil que nós precisamos estar preparados com o laboratório de biossegurança máxima”, explica.

Biodiversidade brasileira

Segundo Jansen, apesar dos altos recursos investidos, a construção de um NB4 em solo brasileiro era extremamente necessária para os estudos nacionais. Ele conta que o clima tropical e a variedade de animais silvestres do País são propícios para o desenvolvimento de novos vírus e uma estrutura de biossegurança máxima oferece as condições necessárias para controlar o surgimento de novos microrganismos nessas espécies.

“Nós temos vírus de classe 4 já encontrados aqui, nós temos uma biodiversidade enorme, diversos biomas com animais silvestres que normalmente são grandes reservatórios de vírus emergentes, então nós temos aqui um potencial enorme para estudar esses novos agentes. Eu não compreendo porque não tínhamos um laboratório desse porte aqui no Brasil, eu entendo que o investimento realmente é muito alto, mas o que uma estrutura dessa pode contribuir é muito mais justificável”, afirma.

Complexo laboratorial

Tatiana Ometto, pesquisadora colaboradora do Instituto de Ciências Biomédicas e especialista em biossegurança de alta contenção biológica no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), é uma das participantes do projeto Orion e atua no treinamento dos profissionais que trabalharão no complexo laboratorial de Campinas. 

Tatiana Ometto – Foto: Divulgação/IEA-USP

Ela conta que, enquanto estagiária em sua graduação, participou do projeto de desenvolvimento do primeiro NB3 do Brasil, localizado na USP, juntamente com o também professor do ICB Edison Luiz Durigon, e observava à época uma falta de compartilhamento de informações essenciais para biossegurança laboratorial. Durante a pandemia do coronavírus, Tatiana atuou com o professor Durigon e a professora Ana Márcia Guimarães na criação da plataforma EPISaúde, que visava a demonstrar o uso correto dos Equipamentos de Proteção Individual durante o ambiente de trabalho.

“Durante meu estágio e depois em outros laboratórios que trabalhei, eu via essa questão de preocupação com o treinamento e controle de qualidade, já que ainda não existia esse costume dentro dos laboratórios de pesquisa. Portanto, eu comecei a pedir autorização para trazer um pouco desse conhecimento de controle de qualidade de laboratórios clínicos e de diagnóstico para a área de pesquisa e nisso eu comecei a desenvolver algumas práticas de biossegurança dentro do laboratório de uma forma bem informal”, conta.

Diferencial 

De acordo com a pesquisadora, além de ser o primeiro laboratório com grau de segurança máxima da América Latina, o NB4 de Campinas será o primeiro do mundo a estar conectado a três feixes de luz síncrotron, através do acelerador de partículas de alta tecnologia Sirius. Ela conta que o acelerador de partículas recebe esse nome porque esse equipamento produz linhas de luz mais potentes que a de equipamentos antigos, assim como Sirius brilha mais que todas as outras estrelas visíveis no céu noturno.

“No NB4, serão três linhas de luz produzidas a partir do Sirius e, se olharmos para a Constelação de Orion e alinhar três estrelas que fazem parte da sua composição, elas vão apontar para Sirius. Então, foi por isso que tiveram a ideia de batizar o complexo laboratorial com o nome dessa constelação de Orion”, elucida.

Inauguração e treinamento

Conforme Tatiana Ometto, equipes de engenharia e construção civil já estão trabalhando para a construção predial do complexo, que deve ficar pronto até o final de 2026. Ela alerta, contudo, que mesmo após a construção física, é esperado que os laboratórios demorem cerca de dois anos para começarem a funcionar devido à certificação internacional e ao treinamento dos profissionais.

Para a especialista, é importante que, antes de trabalharem em um NB4, os profissionais tenham experiência com um laboratório NB3, pois muita experiência pode ser adquirida nesses ambientes e implementadas nos outros laboratórios. Ela conta que a Universidade da Califórnia – Irvine (UCI) é especialista em capacitação focada nos laboratórios de grau 3 e seus profissionais foram convidados para um período de treinamento com a equipe de Campinas.

“Em fevereiro, a equipe da UCI se locomoveu até Campinas e eles passaram uma semana treinando 15 profissionais do CNPEM que vão trabalhar dentro do laboratório, o pessoal de manutenção, da segurança do trabalho, de biossegurança e da cibersegurança. Então, foram várias pessoas de diferentes áreas que receberam certificação internacional dessa semana de treinamento”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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