Coletivo Autista da USP lança guia com práticas inclusivas voltado para professores e funcionários

E-book educa sobre o Transtorno do Espectro Autista e pauta a inclusão na Universidade

 24/10/2023 - Publicado há 6 meses
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A euforia do ingresso na USP vem acompanhada de uma série de pressões e muita interação com desconhecidos — além de uma gama de novos sistemas digitais. As diversas plataformas oferecidas pela Universidade — como o portal dos alunos Jupiterweb, a plataforma de disponibilização de materiais Moodle, e o sistema Apolo, voltado para cultura e extensão — geram dificuldades na adaptação e são um obstáculo na inclusão de alunos autistas. “É muito difícil achar informações sobre como funcionam esses serviços”, conta Amanda Corrêa, membra do Coletivo Autista da USP. A estudante de letras relata sentir muita dificuldade em fazer novas amizades e, por isso, no começo do curso não tinha a quem recorrer com suas dúvidas. Os empecilhos técnicos, contudo, são só os primeiros de muitos desafios que alunos autistas enfrentam na Universidade.

Dificuldades para fazer novas amizades e se relacionar em trabalhos em grupo, além da falta de um canal institucionalizado para comunicar adaptações pedagógicas necessárias são algumas das dificuldades relatadas por alunos com autismo, que encaram um campus pouco conscientizado e com falta de estruturas inclusivas.

Com o objetivo de auxiliar a adaptação de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) dentro da Universidade, Amanda Corrêa, Carlos Rabelo e Maria Laura Kuniyoshi, membros do Coletivo Autista da USP (CAUSP), produziram um guia voltado para a conscientização de professores e funcionários. Intitulada Tenho um aluno autista, e agora?a cartilha publicada no início de setembro busca orientar sobre as principais características do TEA e as dificuldades enfrentadas por alunos com autismo, além de oferecer dicas para condutas mais inclusivas. No momento, o guia está disponível somente na forma de e-book, mas o coletivo tem planos de imprimi-lo no futuro, para distribuir nos institutos.

Amanda César Corrêa - Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Amanda, a iniciativa de produzir o guia surgiu a partir de uma demanda por mais conscientização dentro da USP. “A gente vê muita falta de informação, especialmente entre os professores”, relata. Maria Laura Kuniyoshi compartilha desse sentimento. A estudante de doutorado explica que a maioria dos projetos sobre autismo são voltados para crianças, que têm uma rede de suporte maior. “A gente desenvolveu esse material para a população universitária, que é uma população mais velha e geralmente com menor nível de suporte”, conta a doutoranda, que alimenta a expectativa de que o guia forneça apoio para esse grupo.

Tenho um aluno austista… e agora?

Maria Laura Kuniyoshi - Foto: Currículo Lattes
Por ser um transtorno que afeta principalmente a comunicação e a interação social, o autismo pode gerar prejuízos em algumas áreas e, por isso, pode exigir adaptações pedagógicas — previstas por lei para garantir a equidade em sala de aula.

Propostas avaliativas que envolvem trabalhos em grupo ou apresentação de seminário, por exemplo, podem ser fonte de grande ansiedade para alunos com TEA, e devem ser substituíveis. “Trabalho em grupo exige soft skills que eu não tenho, e fico muito nervosa quando há mudanças no projeto”, conta a doutoranda Maria Laura Kuniyoshi. Segundo o guia, o professor deve oferecer alternativas escritas e individuais, caso seja solicitado pelo aluno.

Outra característica de pessoas autistas é a hipersensibilidade a estímulos sensoriais. Ambientes com muito barulho — seja de ventiladores ou de conversas paralelas — podem afetar o desempenho acadêmico de estudantes com TEA. Para mitigar essa desvantagem, o professor pode oferecer um local alternativo de realização de provas e deixar opcional a presença de alunos autistas em ambientes com muito ruído e circulação de pessoas.

A cartilha também sugere medidas como: elaboração de enunciados claros e sem figuras de linguagem nas provas e exercícios, já que autistas têm uma tendência a interpretar coisas literalmente, e cautela ao sugerir mudanças nos projetos de pesquisas. Segundo o guia, é importante, acima de tudo, manter um diálogo aberto com o estudante, afinal, cada aluno autista tem dificuldades e necessidades próprias.

Além de explicar as adaptações pedagógicas, o guia também contextualiza o leitor acerca dos direitos dos autistas, com trechos retirados da legislação brasileira, e reforça os mecanismos de inclusão presentes na USP, como a Política de Acessibilidade Pedagógica (PAP) da Faculdade de Direito (FD), que estabelece que, a partir da solicitação do aluno, as adaptações pedagógicas necessárias são informadas semestralmente aos professores. A PAP, contudo, é a única iniciativa do tipo na Universidade, e só se estende aos alunos matriculados no curso de direito.

Mito ou Verdade?

Buscando desmentir estereótipos do autismo, o guia apresenta uma sessão especialmente dedicada ao combate à desinformação. A concepção de que pessoas com autismo são gênios e prodígios, por exemplo, é debatida na cartilha, que reforça o caráter nocivo do estereótipo: “Autistas podem ou não destacar-se em algumas áreas, assim como qualquer outro tipo de pessoa.”

Por outro lado, a ideia de que pessoas com TEA são incapazes de se integrar na sociedade e têm prejuízos intelectuais também é desmentida no guia. Segundo a cartilha, o autismo é manifestado em diversos níveis, e pode ou não apresentar comprometimento intelectual. 

Coletivo Autista da USP (CAUSP)

Criado em 2021, o Coletivo Autista da USP é um espaço de conexão de pessoas autistas da comunidade da USP, com o objetivo de garantir a permanência desses alunos na universidade. O grupo, que conta com 150 participantes — nem todos com o diagnóstico fechado —, se reúne mensalmente para compartilhar experiências, promovendo um espaço de acolhimento dentro da USP, além de se organizarem para debater questões relativas ao TEA e pautar demandas de inclusão na Universidade.”Tem perguntas que eu nunca fiz para ninguém, mas faço no coletivo. É um lugar em que a gente se entende”, relata Carlos Rabelo, aluno autista do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP.

A inscrição para fazer parte do coletivo pode ser realizada neste link

Serviço

Tenho um aluno autista, e agora? Um guia sobre autismo para professores e funcionários da USP

Disponível gratuitamente neste link.

*Estagiária sob supervisão de Antonio Carlos Quinto e Tabita Said

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