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Coletivo autista da USP - Foto: Reprodução/Instagram
Coletivo autista da USP apresenta diretrizes para acessibilidade pedagógica
Iniciativa que defende neurodiversidade nos ambientes acadêmicos será aplicada pela Faculdade de Direito da USP, dando mais tempo e adaptando ambientes para avaliações
Talvez você já tenha se perguntado se há pessoas com deficiência (PCD) na USP. Em 2016, a Lei 13.409 alterou a legislação que instituiu as cotas, reservando vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico – de nível médio – e superior das instituições federais de ensino. Já nas universidades estaduais paulistas, ainda não há uma política de reserva de vagas para esse público.
Presentes nos mais variados cursos e campi, pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) são consideradas pessoas com deficiência, para todos os efeitos legais, conforme a Lei 12.764, de 2012. E aqui na Universidade, muitas destas pessoas se reuniram no Coletivo de Estudantes Autistas da USP (CAUSP). O grupo criou diretrizes para nortear o desenvolvimento de práticas pedagógicas inclusivas aos alunos diagnosticados com transtornos globais do desenvolvimento.
Por meio de relatos de estudantes neurodivergentes, o coletivo escreveu uma proposta intitulada Política de Acessibilidade Pedagógica. O parecer, de início, foi resultado de um posicionamento de Silvano Furtado, estudante do quinto ano da Faculdade de Direito (FD) da USP, em uma reunião aberta da representação discente. Membros do coletivo compartilhavam do mesmo sentimento em outras unidades de ensino. Aprovado no ano passado pela Comissão de Graduação da FD, o parecer entrará em vigor neste ano na unidade.
De acordo com o coletivo, essa medida visa a evitar constrangimentos frequentes a que são submetidos nas salas de aula ou nos espaços de convivência. Por exemplo, quando precisam explicar, repetidas vezes, as diferenças entre autistas e neurotípicos – que não manifestam alterações neurológicas ou do neurodesenvolvimento. Por isso, necessitam de avaliações e metodologias de ensino mais acessíveis. “Não somos invisíveis! Não podemos nos camuflar para sempre, para evitarmos atitudes preconceituosas. Precisam nos respeitar como somos”, ressaltam os membros do coletivo.
“Eu tinha recebido o meu diagnóstico e após isso, em uma reunião, comentei que, como uma pessoa autista, se a Faculdade não mudasse a forma como lidava com pessoas neurodivergentes, nunca mais pisaria naquele prédio”, afirma Silvano Furtado, presidente do CAUSP e do Conselho Deliberativo da Associação Nacional para Inclusão de Pessoas Autistas. Silvano deverá ser graduado em Direito pela FD e pela Universidade de Lyon, na França, por meio da dupla titulação.
Silvano Furtado, estudante de Direito da USP e presidente do CAU – Foto: arquivo pessoal
O coletivo prevê que, em breve, os demais institutos da USP também aprovem a medida. “Se a faculdade mais antiga e tradicional do País consegue se adaptar a esse tipo de perspectiva, por que não toda a Universidade e por que não o Brasil?”, questiona Silvano. “É necessário criarmos formas de adaptação a uma quantidade de pessoas que já é desassistida e que na maioria das vezes nem chega a ingressar”, acrescenta.
Política de acessibilidade
Apesar de não existir um documento oficial da USP que estabeleça uma política de acessibilidade, os estudantes relatam que, individualmente, cumpriram uma função coletiva e social. “Como, por exemplo, orientar os docentes sobre possíveis adaptações que poderiam aplicar conosco nas avaliações. E não é confortável fazer isso constantemente”, explicam os membros do coletivo.
Eles também destacam que falar de neurodivergência não deveria ser uma obrigação apenas dos estudantes autistas, mas de toda a comunidade universitária, como docentes, funcionários e pró-reitorias. Matheus Feitosa, estudante de Farmácia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e um dos membros do coletivo, afirma que, às vezes, o assunto é pouco ou quase nunca comentado entre os docentes. Por isso, acabam desconhecendo formas de promover uma didática mais inclusiva.
Ele descreve uma situação desconfortável ocorrida assim que ingressou na Universidade. Uma professora não autorizou que o estudante entregasse um trabalho por escrito, ao invés de apresentar um seminário para toda a sala. “No meu caso, eu acho que talvez ela não tinha percebido que alguém poderia ter dificuldade nesse tipo de coisa, ela nem chegou a perguntar”, conta Matheus.
Matheus Feitosa, estudante de Farmácia da USP e membro do CAUSP – Foto: arquivo pessoal
Ao Jornal da USP ele diz que já ouviu comentários que evidenciavam certo menosprezo para a questão. “Seria legal se alguns professores pudessem ter mais compreensão e não ficassem tão perdidos quando a gente pede algum tipo de ajuda”, conta. “Doeu ter que ouvir dos docentes, ‘ah, você está na USP, para que adaptação? Você consegue’. Os professores acabam enxergando as adaptações como um privilégio, não como um direito“, acrescenta.
Esse tratamento que compara neurotípicos e neurodivergentes levou Silvano a sofrimentos psíquicos constantes. “Acabei sofrendo de uma síndrome de impostor gigantesca. Eu era reconhecido pelos meus colegas e pelos professores como alguém muito competente e com habilidades extraordinárias, só que isso não se traduzia nas minhas avaliações”, afirma. Para ele, este pode ser um dos efeitos de ser submetido a métodos avaliativos padronizados.
Justiça social
Embasado em leis federais, o parecer foi aprovado pela Comissão de Graduação da FD, tornando-se uma deliberação que oferece adaptações nas atividades de avaliação a estudantes que necessitem de atendimento pedagógico diferenciado. Para isto, é necessário protocolar pedido de reconhecimento do diagnóstico de sua deficiência específica perante o Serviço de Graduação da faculdade. Além disso, é preciso indicar as condições especiais requeridas no formulário disponibilizado pela comissão.
Para garantir a privacidade dos estudantes e a veracidade dos documentos, cada solicitação será analisada pela Comissão de Graduação. A comissão também deverá orientar os docentes da faculdade sobre estratégias de ensino e aprendizagem, bem como formas de avaliação, adaptação de materiais e recursos de acessibilidade.
Feitosa enxerga essas medidas como necessárias para a permanência dos estudantes autistas. “Eu percebi que tenho um desempenho bem melhor em avaliações alternativas, porque eu realmente consigo processar as informações, além da flexibilidade das entregas que não me deixa ansioso.” Ele também afirma que, embora o curso de Farmácia ainda não tenha aderido ao parecer, é muito importante que os professores reconheçam a importância da iniciativa. “Alguns professores ficam bem resistentes em fazer essas adaptações. Aos poucos, eu tento conversar com os professores e explicar o quanto precisamos de práticas pedagógicas mais inclusivas”, diz.
Carlos Marques, aluno do terceiro ano de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, lembra que essa resistência não está apenas entre os neurotípicos. “Eu tive que amadurecer bastante essa ideia de entrar no coletivo, porque até hoje falar que eu sou autista, por mais que pareça óbvio, não é fácil”, diz o estudante, que ingressou este ano no coletivo e afirma ter resistido ao diagnóstico.
Carlos Marques, estudante de Ciências da Computação da USP e membro do CAUSP – Foto: arquivo pessoal
Objeto de estudo?
O coletivo enxerga a deliberação da FD como um avanço na política de inclusão da USP, institucionalmente formalizada no ano passado com a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP). “Somos numericamente muito poucos, então geralmente uma ou duas pessoas numa sala acabam pedindo a adaptação. O fato de ser uma política é justamente para evitar os diversos constrangimentos já vivenciados por estudantes autistas”, explicam.
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Os três estudantes destacam o quanto a convivência universitária é um elemento crucial para a permanência dos neurodivergentes. Muitas vezes, devido às suas particularidades, muitos autistas acabam desistindo da graduação por não encontrar nenhuma rede de apoio na Universidade. Por isso, buscaram estabelecer diretrizes que alcancem o maior número de pessoas no espectro. “Somos totalmente diferentes, cada um tem sua especificidade e suas necessidades. Atendê-las individualmente é complicado em termos de política pública”, pontuam.
Os membros do coletivo também contam que, por vezes, são procurados como se fossem meramente objetos de estudos, “quase nunca como membros da comunidade acadêmica, agentes de mudança”, afirmam. “O coletivo é bastante procurado por pessoas querendo fazer pesquisa, mas raras vezes por pessoas querendo fazer parceria conosco”, acrescentam. De acordo com Silvano, a política de acessibilidade pedagógica abre possibilidades para discutir a questão, mas não exaure a discussão sobre neurodivergência.
Atualmente, o coletivo tem discutido medidas de acessibilidade no Estado de São Paulo em suas redes sociais, apresentando como se dá a vivência autista dos membros, por meio de relatos. Um dos posts mais acessados da conta do Instagram atenta para os riscos do capacitismo e como estão presentes em nossa linguagem. Presencialmente, eles se reúnem nos campi da USP para fortalecer a rede de neurodivergência na Universidade e discutir formas de ampliação e permanência de estudantes PCDs na Universidade.
Saiba mais: @coletivoautista
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