Seminário revisita obra sobre grupos marginalizados em Minas Gerais colonial

“Desclassificados do ouro: estudo sobre a pobreza mineira no século 18”, de Laura de Mello e Souza, será analisado à luz da reflexão sobre a atualidade dos intérpretes brasileiros

 09/11/2023 - Publicado há 6 meses
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5ª edição da obra de Laura de Mello e Souza – Foto: Reprodução/Livraria da Travessa

Em 1982, a professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Laura de Mello e Souza renovou os estudos do mundo colonial com a publicação de sua dissertação de mestrado Desclassificados do ouro: estudo sobre a pobreza mineira no século 18. No dia 13, segunda-feira, às 19h30, a docente revisita a obra em uma palestra do ciclo Intérpretes do Brasil: Ontem e Hoje, iniciado em junho.

A obra parte de intérpretes clássicos, como Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda e Fernando Novais, para fundamentar a própria contribuição da Laura. O estudo acompanha a antiga capitania de Minas Gerais entre 1693 a 1805, quando a decadência da mineração ocorreu. 

Minas Gerais foi tardiamente colonizada em comparação aos demais territórios da colônia, mas, segundo Laura, foi o laboratório de uma colonização rápida, violenta e que gerou muita riqueza. “A ocupação começa em 1694 e em 1720 a região já estava coberta por povoados, principalmente na região aurífera”, explica a docente.

No século 18, Minas Gerais habitava a contradição de ser a região mais importante do Império e, ao mesmo tempo, ter gerado uma grande quantidade de pessoas marginalizadas e miseráveis. “É um prenúncio trágico do que será o Brasil, um país com possibilidades e riqueza que não consegue criar uma sociedade igualitária”, critica Laura.

A docente focalizou “os vencidos do processo histórico brasileiro”. Seu olhar está voltado para os indivíduos livres que não estavam plenamente integrados na ordem colonial e que ocupavam um “não-lugar” na estrutura social, explica Vitor Morais, graduando em História pela FFLCH e organizador dos seminários. Laura realizou sua pesquisa no contexto da ditadura militar e da crise do milagre econômico. “A tese foi construída de forma a entender o presente à luz do passado”, afirma o organizador.

“A minha geração estava muito preocupada com o problema da escravidão e eu optei por outro caminho”, relata Laura. Sua análise se aproxima de uma classe que habita um limbo: não são os aristocratas que comandavam a colônia nem os escravizados que compunham a força de trabalho dominante.

Laura identificou os “desclassificados do ouro” como os indivíduos que iam a Minas para trabalhar no garimpo. “Eram pessoas que podem ter passado pela escravidão, mas, no geral, são homens que não são absorvidos pela ordem vigente”, caracteriza a docente. No momento da escrita, a década de 1980, a historiografia brasileira começou a tratar do poder de ação de grupos marginalizados.

Para Morais, Desclassificados do ouro: estudo sobre a pobreza mineira no século 18 inaugura uma forma de ler Minas Gerais. No primeiro capítulo, Laura analisa como as festividades e as cerimônias religiosas na capitania mascaravam uma estrutura social opressiva. O organizador defende que isso dialoga com a característica da sociedade mineira contemporânea de “não verbalização dos costumes que estão internalizados”.

O pacto não declarado dos costumes e de quem pode ou não agir é uma síntese da colônia, diz Morais. A vida social constituída em Minas Gerais é diferente da erigida no ciclo econômico anterior, quando ocorreu a exploração da cana de açúcar no Nordeste, no século 17. Como a capitania mineira estava localizada no interior do território, foram construídas mais do que ocupações pontuais e uma sociedade efetivamente se constituiu. 

O evento encerra o módulo Os Intérpretes do Brasil e o Mundo Colonial, o segundo da sequência de seminários. O organizador pensa que o trabalho de Laura permite refletir sobre a cegueira dos intérpretes clássicos do Brasil, uma vez que ela pensou em quem foi silenciado nessas interpretações. “Infelizmente é um trabalho atual. O desamparo dos desvalidos no Brasil ainda é algo insuportável”, lamenta a docente.

O seminário com Laura de Mello e Souza acontece segunda-feira, dia 13, às 19h30, no Auditório Nicolau Sevcenko da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, em São Paulo). Mais informações sobre os seminários seguintes estão neste link.

Cartaz de divulgação do seminário com Laura de Mello e Souza – Foto: Reprodução/FFLCH

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