Ismail Xavier dá curso on-line gratuito sobre cinema brasileiro

Em seis videoaulas, professor da USP fala sobre a passagem do clássico para o moderno na cinematografia nacional

 08/08/2022 - Publicado há 2 anos
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Foto: Reprodução

Trechos de três filmes brasileiros emblemáticos – O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha -, serão analisados e comparados no curso a distância Cinema Brasileiro: O Clássico e o Moderno, que já está disponível na plataforma Sesc Digital. Idealizado e ministrado pelo professor Ismail Xavier, docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e um dos principais teóricos do cinema brasileiro, o curso está dividido em seis videoaulas, com duração de 15 minutos cada uma, e trata de aspectos relacionados ao estilo dos filmes que influenciam na narrativa: luz, movimentos de câmera e montagem.

Os vídeos são acompanhados de glossário de termos técnicos e apostila com contexto geral e resumo do conteúdo do curso, criado pelo próprio Ismail, e dirigidos a todos os interessados em cinema, de cinéfilos e estudantes àqueles que querem aprimorar o olhar em torno da produção de um filme. O professor conta, no teaser do curso, que, “a partir das cenas dos filmes, é verificado como toda a construção de linguagem cinematográfica se deu nessa passagem do clássico para o moderno, marcando a originalidade bastante marcante do cinema novo” (assista ao teaser no link abaixo). “É possível notar que, por meio de técnicas e estilos, pode-se contar, de maneiras diferentes, histórias muito semelhantes (no caso, o cangaço). Além disso, a escolha de filmes nacionais valoriza a cinematografia brasileira ao discutir obras e autores que marcaram uma época e que retrataram diferentes visões do Brasil”, acrescenta.

Assista no link abaixo ao teaser sobre o curso Cinema Brasileiro: o Clássico e o Moderno, com o professor Ismail Xavier.

Cinema industrial x cinema moderno

O Cangaceiro, que traz diálogos criados por Rachel de Queiroz, é a mais famosa produção da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. “A Vera Cruz foi criada entre 1949 e 1950 e começou a funcionar em 1951, tentando realizar um grande projeto de cinema industrial, de modo hollywoodiano, no Brasil”, conta Ismail Xavier ao Jornal da USP. O filme teve um alto investimento e o roteiro se inspira na lendária figura de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, morto e decapitado em 1938, após cerco realizado pela polícia. Nesse tipo de cinema, explica o professor, o roteirista não tem relação com o produtor, e o diretor não tem controle sobre a produção, diferente do cinema de autor, como aconteceu com o cinema moderno.

Por sua vez, o neorrealismo italiano influenciou muito as produções brasileiras a partir dos anos 50, incluindo vários filmes de Nelson Pereira dos Santos, como Rio 40 Graus e Rio Zona Norte, como cita o professor. “Um cinema mais barato e mais viável no Brasil, e com temáticas sociais”, comenta o crítico, lembrando que, nos anos 60, o cinema moderno propunha um diálogo não só com o neorrealismo italiano mas também com a nouvelle vague francesa. Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, presentes no curso, dão início ao cinema novo, que é baseado no conceito de “câmera na mão”. “Há a presença da câmera na mão, uma nova maneira de filmar, de montar, e um grande elenco de tomadas de cena, que precisam ser organizadas, já que tem muitas repetições”, explica o professor.

As seis videoaulas do curso comparam as produções cinematográficas do cinema industrial e do cinema moderno. Segundo o professor, são três blocos de aulas. As duas primeiras, Introdução aos Estilos Clássico e Moderno e à Questão da Luz no Cinema Clássico e Estilo Moderno: Fotografia e Estética no Cinema Novo, discutem a questão da luz e da sombra. O professor lembra que as gravações externas de O Cangaceiro não foram feitas in loco e sim em Vargem Grande do Sul, no interior de São Paulo, representando o sertão nordestino, e ganharam uma iluminação suave, ao contrário da luz estourada, sem nuances, que se vê nas obras do cinema novo.

Na sequência, as aulas 3 e 4, Movimentos de Câmera e Princípio da Transparência no Cinema Clássico e Câmera na Mão e Seus Efeitos Narrativos, trazem as composições de movimentos de câmeras. No primeiro caso está o cinema industrial, com seus trilhos e carrinhos de movimentos suaves, baseados no conceito de “transparência”, ou seja, “uma espécie de tela transparente em que, quanto menos aparecem os meios de produção, melhor”, diz o professor, e exemplifica com uma cena de cavalgada, gravada com um movimento liso, sem trepidação. “A regra era não chamar a atenção para os aspectos de filmagem, para que o espectador ficasse mergulhado naquela ficção”, destaca Xavier. Já no conceito câmera na mão, informa o professor, o movimento irregular era assumido como parte da expressividade do filme, e usado para “sentir” a proximidade. O próprio roteiro de Deus e o Diabo na Terra do Sol, que mesmo baseado em fatos históricos é ficcional, como atenta o professor, traz essa proximidade com a história típica da época, do vaqueiro que foge do Nordeste rumo ao Sul.

Nas duas últimas aulas, Montagem e Construção Narrativa no Estilo Clássico e Ritmo e Montagem no Estilo Moderno, as técnicas de montagem são comparadas. Por um lado, essas técnicas garantem o sentido de continuidade e tornam os cortes de um plano a outro “invisíveis”, como no filme O Cangaceiro, em que há uma preocupação de total continuidade, sem nenhum salto ou repetição. Por outro lado, elas conferem grandes efeitos de descontinuidade nos filmes do cinema moderno.

O curso Cinema Brasileiro: o Clássico e o Moderno, idealizado e ministrado pelo professor da USP Ismail Xavier, está disponível gratuitamente na plataforma Sesc Digital (clique aqui).


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