Cinema da USP exibe a rebeldia de casais apaixonados

Até 14 de julho, mostra de filmes “Amor Bandido” apresenta filmes sobre parceiros na vida e no crime

 Publicado: 25/06/2024
Por
"Bonnie e Clyde" se tornaram figuras clássicas de narrativas românticas na Nova Hollywood - Imagem: Reprodução/Cinusp

Cegos pelo amor, a irracionalidade dos românticos se aproxima da imprudência dos criminosos. Eternizados pelos crimes nas estradas estadunidenses, os gângsters Bonnie e Clyde (1967), por exemplo, chegaram para ficar nos cinemas logo após serem mortos pela polícia. Muito além da dupla fora da lei, a mostra de filmes Amor Bandido, em exibição no Cinusp, relembra romances proibidos por cenários políticos, sociais e culturais.

Ao somar o apelo da transgressão com o desejo de liberdade, o crime e o amor se mesclam em cena. “Há uma certa satisfação em quebrar as regras e atingir uma espécie de liberdade, além do sabor da adrenalina e da tensão de ser pego”, afirma Filipe Oliveira, curador da mostra. “O amor bandido é nada mais que o desejo indomado e, melhor ainda, concretizado.”

Os amores proibidos na comunidade queer

“Fazendo uma mostra sobre amores criminosos e ilegais, é incontornável tratar sobre o contexto queer”, explica Filipe Oliveira sobre a vivência amorosa que pode significar violência para casais LGBTQIAPN+, “cuja existência em muitos locais é criminosa ainda hoje em dia”. O curador destaca a importância do filme de Gregg Araki no contexto da crise de HIV. Apresentado como “um filme irresponsável” pelo próprio diretor, a trama acompanha dois homens HIV-positivos, em fuga após o assassinato de um policial homofóbico.

Nos anos seguintes, um casal lésbico protagonizaria uma fuga semelhante em Ligadas pelo Desejo (1996), primeiro filme dirigido pelas irmãs Wachowski e que também está em exibição na mostra. Não satisfeita em roubar US$ 2 milhões da máfia, a ex-presidiária Corky também leva consigo a namorada de um gângster, o que dá início a um suspense ao estilo noir e um toque de humor.

Cena do filme Bye, Bye Love – Imagem: Reprodução/Cinusp

Na mostra, outro roadmovie é Bye, Bye Love (1974), do japonês Isao Fujisawa, título que se manteve perdido até 2018. Sendo a única gravação de Fujisawa, a obra é pioneira em capturar a subcultura queer no Japão, que só seria reconhecida no cinema décadas depois. Enquanto infringe as leis do país com o assassinato de um viajante estrangeiro, o casal de criminosos também desafia normas sociais de gênero. “Se a própria existência queer já quebra regras, não há razão para continuar a seguir outras”, afirma Oliveira.

A curadoria também volta aos anos 1950 com os amantes transgressores do curta Canções de Amor (1954), que será exibido em sessão conjunta com Swoon – Colapso do Desejo (1992). Para Oliveira, essas produções mostram que “o cinema queer não é uma novidade e existe desde que existe cinema”. O longa retrata um assassinato real cometido por dois homens gays, com foco no relacionamento entre eles, diferente da cobertura da imprensa à época, que ficou dividida entre retratar o delito à luz do privilégio social dos criminosos ou da sua opressão pela orientação sexual.

O curta complementa Swoon com uma trama prisional, que data de quando a homossexualidade ainda era crime na França – com apenas 26 minutos, Canções de Amor foi proibido internacionalmente. Neste, único filme dirigido pelo escritor Jean Genet, um guarda penitenciário se envolve nos laços sexuais e violentos dos presidiários que, em celas adjacentes, se desejam e se apaixonam, em busca do mais literal contato humano.

 Amantes criminosos são parte de filmes das mais diferentes culturas  – Imagem: Reprodução/Cinusp
 
 
 

Cena de Um Momento de Romance – Imagem: Reprodução/Cinusp

Os clássicos parceiros no crime

Amores Bandidos não subestima as mais emblemáticas duplas fora da lei. “Na mostra temos filmes em que o casal já começa criminoso, outros em que eles se tornam criminosos, alguns personagens se apaixonam por criminosos mas não chegam a cometer um crime”, diz Oliveira. Expoente da nouvelle vague, o francês Jean-Luc Godard dirigiu Acossado (1960), em que se inspira em filmes B, como Mortalmente Perigosa (1950), também parte da mostra. Para retratar um ladrão, que assassina um policial e foge com uma jovem estudante, Godard inova com uma câmera livre e abordagem irreverente. Oliveira explica que “sua linguagem disruptiva o fez se tornar uma referência para quase todos os filmes da mostra”. Na mesma linha, o longa Ladrões de Alcova (1932), de Ernst Lubitsch, usa humor e sensualidade para contar sobre um triângulo amoroso fruto da tentativa de golpe por um casal de criminosos.

Cena do filme Um Momento de Romance – Imagem: Reprodução/Cinusp

Cena do filme Mandacaru Vermelho – Imagem: Reprodução/Cinusp

A rebeldia que envolve os amantes também pode ser política, como no caso de Depressa, Depressa (1974), sobre jovens delinquentes em uma Espanha pós-franquista, em uma redemocratização árida e pouco romântica. A cineasta italiana Lina Wertmüller se interessou pelo tema em Amor e Anarquia (1973), o romance entre um jovem que, a fim de assassinar o fascista Mussolini, se apaixona por Tripolina, uma prostituta do bordel em que se abriga. O curador explica que, na seleção das obras, a equipe se dedicou a “explorar as várias possibilidades de um crime e como as leis de cada lugar podem mudar quem se enquadra como criminoso”.

Assim como nas tramas da Itália e França, o “amor bandido” está nos mais diferentes contextos geopolíticos, desde uma aldeia no Sahel burquinês, visto no filme Questão de Honra (1990), passando pelo sertão nordestino, com Mandacaru Vermelho (1961), de Nelson Pereira dos Santos, e até nas florestas japonesas, retratadas em Os Amantes Crucificados (1954). Após atravessar épocas e continentes, a mostra do Cinema da USP chega ao século 21 com filmes como Amor Até as Cinzas (2018), que referencia o centenário O Fora da lei e Sua Mulher (1918), Miami Vice (2006), de Michael Mann, que forma um paralelo com Sangue Ruim (1986), e o sucesso Um Momento de Romance (1990).

A mostra Amor Bandido, do Cinema da USP Paulo Emílio (Cinusp), está em cartaz, às 16h e 19h, diariamente, até 14 de julho. Durante a semana, os filmes são exibidos no Centro Cultural Camargo Guarnieri (Rua do Anfiteatro, 181, Cidade Universitária, em São Paulo); aos fins de semana, as sessões ocorrem na sala do Cinusp no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antônia, 194, Vila Buarque, região central de São Paulo). Entrada grátis. A programação completa e mais informações estão disponíveis no site do Cinusp.


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.