Canção faz homenagem a Zuza Homem de Mello

Composição criada por professores da USP será lançada nesta quinta-feira, dia 25, nas plataformas digitais

 23/03/2021 - Publicado há 3 anos
Por
Zuza Homem de Mello: apaixonado pelo jazz e “garimpeiro” da música brasileira – Arte de Lívia Magalhães sobre imagem de Divulgação

 

Zuza Homem de Mello – ou Zuza, como era conhecido nos meios musicais – foi um musicólogo e jornalista brasileiro, especialista na história da música popular brasileira e um dos maiores nomes da crítica musical. Ele morreu, aos 87 anos, no dia 4 de outubro de 2020, enquanto dormia em seu apartamento em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, de um infarto agudo do miocárdio. Um grande nome que deixou um legado ímpar, e causou comoção não só em familiares e amigos, mas também em toda a sociedade. E foi logo depois de sua partida que a cantora, compositora e professora Beth Amin, orientadora vocal do Coral da USP (Coralusp), decidiu que iria homenageá-lo com uma canção. Tô Que É Só Sentimento – Um Tributo ao Zuza Homem de Mello, música, arranjo vocal e voz de Beth Amin, ganhou letra do professor Álvaro Faleiros, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, seu parceiro musical há mais de dez anos. O lançamento acontece nesta quinta-feira, dia 25, às 20 horas, no canal do Youtube.

O professor Álvaro Faleiros – Imagem: FFLCH/USP

Foi um daqueles acasos que ninguém explica. “Eu acordei com a melodia na cabeça, uma bossa nova. Aí eu abri o Facebook e vi que o Zuza tinha morrido, e como artista pensei: ‘Foi ele que me soprou essa música’”, conta Beth, que convidou o professor Álvaro Faleiros para mais uma parceria. “Temos muitas músicas juntos e eu sempre digo que é ele quem mais coloca palavras na minha boca”, conta. Além disso, destaca a professora, Zuza foi muito importante na sua carreira: “Um dia alguém me ligou e disse: ‘o Zuza está tocando sua música no programa dele’”. Era uma música do seu primeiro disco, gravado nos Estados Unidos, quando Beth era bolsista na Berklee College of Music, e que nem chegou a ser lançado no Brasil. “Não sei nem como ele tinha o disco. E depois acabou tocando várias outras músicas minhas.” Beth queria agradecer, e foi em uma fila de um balé que conheceu pessoalmente o crítico. “Fui me apresentar, mas, para minha surpresa, ele disse, com um jeito doce e aquele sorrisão dele: ‘Claro que eu te conheço, eu adoro seu trabalho’.”

A professora ainda se lembra de outra ocasião, em que Zuza deu uma entrevista ao Canal Livre, e perguntaram para ele se a música brasileira tinha acabado. “Ele respondeu que não, que tinha muitos músicos fazendo coisa boa, e eu era a primeira da lista”, diz, e completa brincando: “Não sei se era ordem alfabética”. Mas, diz ela, só de Zuza mencionar sua música já era um reconhecimento, e mais uma vez ela quis agradecer, e telefonou. A resposta dele, como conta Beth, foi: “Estou com 85 anos e eu sei que não tem ninguém que vai fazer o trabalho que eu faço. Eu garimpo mesmo e o que acho bom eu tento alavancar porque eu sei que esse tipo de música não tem espaço”.

A música de Beth Amin e Álvaro Faleiros tem acompanhamento dos músicos Yaniel Matos (piano) e Sidiel Vieira (contrabaixo acústico) – Imagem: Arô Ribeiro

 

“Ele trabalhava muito pela música brasileira, incansavelmente, até os 87 anos, e merece muitas homenagens”, afirma Beth. Tô Que É Só Sentimento é uma delas, e foi gravada durante a pandemia de covid-19 com os artistas em suas casas: a própria Beth com a voz, o pianista cubano Yaniel Matos e o contrabaixista Sidiel Vieira, que faz um solo em homenagem a Zuza, que também tocava contrabaixo. É uma animação em vídeo de Rafael Pah, Matheus Suzano e Maya Pereira, com roteiro também assinado por Beth, que o criou pensando onde Zuza estaria. “Estou muito feliz de ter feito esse trabalho, bem no meio dessa situação tão triste que estamos vivendo, e na qual a música tem me salvado”, afirma, e repensa: “Na verdade, a música tem salvado a todos nós”.

Zuza de Mel

Segundo o professor Álvaro Faleiros, ele recebeu a melodia gravada, e foi através de pesquisas sobre Zuza, na internet e na imprensa, que criou a letra. Segundo ele, os entrevistados falavam sobre a doçura e generosidade de Zuza, e esses elementos transparecem na letra, como a brincadeira no final com o nome Zuza de Mello, Zuza de Mel, “um achado poético que surgiu durante a própria composição”.

O professor utilizou depoimentos de pessoas que tinham um convívio maior com Zuza, como a sua esposa, Ercília Lobo, e entrevistas sobre o trabalho dele, primeiro como músico (contrabaixista) e depois como crítico. Também leu as críticas de Zuza e comentários sobre seu mapeamento sistemático da música brasileira. “Era um grande garimpeiro de pérolas esquecidas da música brasileira”, afirma Faleiros. Como diz o professor, “a grande imprensa e a indústria fonográfica funcionam a partir de grandes nomes da música, e às vezes trabalhos muito profundos, sérios e consistentes ficam esquecidos no baú da memória da música brasileira. Ele era um colecionador dessas pérolas e tinha essa generosidade e esse cuidado de trazer a público contribuições menos evidentes”.

Beth Amin: “Zuza trabalhava pela música brasileira incansavelmente, até os 87 anos, e merece muitas homenagens” – Imagem: Arô Ribeiro

 

Faleiros ainda destaca que “como bom crítico que era, ao fazer sua peneira fina”, ia descobrindo talentos esquecidos. Como lembra o professor, Zuza reconhecia a obra de Beth Amin. “Como o trabalho da Beth é muito consistente e vem sendo construído ao longo de várias décadas, ele teve esse olhar diferenciado e soube reconhecer a força de seu trabalho e de suas parcerias.”

A música Tô Que É Só Sentimento – Um Tributo ao Zuza Homem de Mello, de Beth Amin (melodia) e Álvaro Faleiros (letra), será lançada nesta quinta-feira, dia 25, no canal do Youtube. Informações no Facebook.

De músico a musicólogo

Apaixonado pelo jazz, Zuza Homem de Mello começou sua carreira como baixista profissional. Em 1955, abandonou o curso de Engenharia para se dedicar à música. Paulistano, iniciou sua carreira jornalística assinando colunas para os jornais Folha da Noite e Folha da Manhã. Em 1957, foi para os Estados Unidos, onde teve aulas com Ray Brown na School of Jazz, e naquele mesmo ano estudou Musicologia na famosa  Juilliard School of Music, em Nova York.

Em 1959, de volta ao Brasil, permaneceu por cerca de dez anos na TV. Entre 1977 e 1988, concentrou suas atividades no rádio e na imprensa – produziu e apresentou o Programa do Zuza, na Rádio Jovem Pan, e atuou como crítico de música popular no jornal O Estado de S. Paulo. Também escreveu para outras publicações brasileiras e estrangeiras. Em 1997, coordenou a Enciclopédia da Música Brasileira e, em 1982, ao lado de Tárik de Souza, planejou e coordenou a terceira edição da coleção didática História da Música Popular Brasileira, da Editora Abril. Na semana anterior à sua morte, ocorrida em 4 de outubro de 2020, ele havia concluído a biografia do músico João Gilberto.

Zuza foi também um grande produtor e diretor musical, dirigindo nos anos 70 a série de shows O Fino da Música, que apresentava nomes desconhecidos e outros que estavam despontando no cenário musical, como João Bosco e Ivan Lins. Depois, nos anos 80, promoveu vários festivais que revelaram nomes como Djavan, Beto Guedes e Chico César. Convidado para os mais importantes festivais mundiais de música — Montreux, Edimburgo, Nova York, Paris, Midem de Cannes, Tóquio, Montreal e Perugia —, Zuza foi membro e ex-presidente da Associação dos Pesquisadores da MPB. Em 2018, foi eleito para a Academia Paulista de Letras.


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.