Crítica social é a principal diferença entre telenovelas brasileiras e estrangeiras

Pesquisadora analisou quais são as características, semelhanças e diferenças das produções no Brasil, México e Turquia

 01/09/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 05/09/2023 às 12:04
Pantanal, A Usurpadora, Maria do Bairro e Mil e Uma Noites foram produções de sucesso no Brasil, México e Turquia – Fotomontagem: Jornal da USP – Imagens: Reprodução/IMDb

 

Texto: Lívia Lemos*

Marimar (1994), Maria do Bairro (1995), A Usurpadora (1998) e Rubi (2004) são algumas das telenovelas mexicanas que fizeram sucesso no solo brasileiro. Assim como o Brasil, o México se consolidou no mercado televisivo como referência na produção de telenovelas, se destacando, principalmente, por suas tramas únicas e melodramáticas. Há também diferenças que permeiam as produções brasileiras e mexicanas, desde a questão cultural até a parte técnica.

Maria Angela Raus – Foto: Arquivo Pessoal

O tema foi pesquisado por Maria Angela Raus em sua tese de doutorado O espetáculo contemporâneo: a ficção seriada audiovisual e sua circulação (Brasil, México, Turquia), realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. De acordo com a pesquisadora, a principal diferença em relação às novelas mexicanas é que a temática das novelas do Brasil, especialmente as da Globo, são direcionadas para a crítica social: “Na bibliografia internacional se reconhece muito as particularidades da telenovela brasileira no sentido de ter uma temática mais realista, de abordar assuntos que são críticos socialmente. [Nos outros países], as novelas entram de maneira diferente, como um entretenimento.”

A pesquisadora explica que essa singularidade da telenovela brasileira está diretamente relacionada com a censura que a arte, em especial rádio, cinema e televisão, sofreu durante a ditadura militar. “Tivemos um período muito difícil na época da ditadura em relação à censura. Antes, os capítulos passavam pelos censores. Às vezes, havia uma palavra que não podia ser dita e o autor tinha que se virar para arrumar. Então, por vir de um momento de censura, após o fim [do regime militar], a nossa telenovela dá destaque para determinadas temáticas que chamavam bastante atenção.”

Globo e Televisa: dois monopólios da América Latina

Para a sua pesquisa, a professora estudou duas grandes emissoras latinas que são líderes nas produções do gênero, a Globo e a Televisa. Em relação à parte metodológica, as novelas da Televisa possuem menor tempo de duração no ar, aproximadamente três meses, enquanto as da Globo se estendem por seis meses. Além disso, os atores brasileiros possuem maior flexibilidade em relação aos papéis: “Você tem um ator que hoje é protagonista numa novela, mas numa outra, ele pode apenas fazer um papel de destaque. Nas novelas do México, praticamente não existe isso”.

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Em contrapartida, a pesquisadora chama atenção para as oportunidades que o México direciona para atores estrangeiros. “A Televisa acaba puxando talentos que falam espanhol de vários países e muitos fazem carreira. Já o Brasil é um mercado basicamente nacional, eventualmente a gente tem a presença de atores portugueses em algumas produções, mas é muito mais fechado nesse sentido.”

Outro ponto destacado pela pesquisadora é a questão do roteiro. No Brasil, a novela entra no ar quando as gravações ainda estão acontecendo, o que permite que a história seja alterada. No México, além da história já estar delimitada, com começo, meio e fim, a produção chega nas televisões após o encerramento das gravações. “Isso diminui o custo de produção, porque você já sabe: ‘eu vou ter x capítulos, vou precisar desses atores para esses personagens’… Já está tudo esquematizado”, pontua Maria Angela Raus.

Turquia: uma indústria emergente

Mas não são apenas as produções latino-americanas que são referências e fazem sucesso mundo afora. Mil e Uma Noites, “novela” turca que foi exibida no Brasil em 2015 pela TV Band, revelou a Turquia como uma indústria emergente na produção de novelas. “Eles viam muitas produções das telenovelas do Brasil e do México, mas depois a gente vê um desenvolvimento muito forte em relação às produções nacionais que vão se internacionalizando nas duas últimas décadas.”

As atrizes Ceyda Düvenci e Bergüzar Korel em Mil e Uma Noites (2006), exibida em 2015, na TV Band – Foto: Reprodução/IMDb

 

Apesar de serem nomeadas aqui no Brasil como novelas, as produções turcas são dizi, um formato de produção próprio da Turquia. A principal diferença é o tempo de duração de cada capítulo, que chega a 2 horas e 45 minutos: “Precisam adaptar para vender no mercado, então eles vão recortando para o tempo de um capítulo de telenovela e colocam como telenovela turca para a América Latina e como série turca para outros mercados”, explica a pesquisadora.

Novelas ameaçadas?

Para ela, as telenovelas não serão extintas, ainda que, nas últimas décadas, as séries tenham se popularizado pelo mundo, principalmente as dos Estados Unidos. “O público latino-americano conhece há muito tempo [o formato novela] e gosta. Por mais que se interessem por outros conteúdos, a telenovela vai continuar presente e está longe de ser algo obsoleto no sentido do consumo. É um elemento da nossa identidade.”

Maria Angela Raus também ressalta o apego do público latino pelos remakes, que são novas versões de novelas que já foram produzidas: “Tivemos um remake de Pantanal e foi um sucesso. Teve uma geração que acompanhou [a primeira versão] e você tem os jovens que ficaram curiosos para entender a história da mulher que virava onça”, diz.  Ela explica que essa adesão positiva por parte dos telespectadores se deve à memória afetiva.

Cena da novela Pantanal, em que a personagem Juma se transforma em onça – Foto: Reprodução/Globo via YouTube

 

Para as emissoras, fazer um remake de uma novela é vantajoso no sentido de, além de não ser um grande risco recontar uma história que o público já gosta, há a oportunidade de adaptar e incrementar novos elementos na narrativa.

A pesquisa foi realizada pelo Programa de Pós-Graduação em História Econômica do Departamento de História da FFLCH, sob orientação da professora Raquel Glezer.

Mais informações: e-mail maraus@usp.br, com Maria Angela Raus

*Da Assessoria de Comunicação da FFLCH, editado por Valéria Dias


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