Qual a diferença entre a ética e a política?

O Brasil tem uma meta ética na Constituição brasileira diferente da política, em que se tem um nível de compreensão e aceitação dentro do arco democrático

 30/08/2023 - Publicado há 8 meses
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Tanto a ética quanto a política fazem parte daquilo que a gente chama de filosofia prática, querendo dizer a filosofia ligada ao mundo da ação. Você pode ter a ação basicamente individual ou aquela ação que só funciona no coletivo, a ação política. A  filosofia prática se distingue daquilo que seria filosofia do conhecimento. Digamos que acaba sendo como conhecemos o mundo, como conhecemos “o que é”, que é  uma das grandes perguntas filosóficas, para termos certeza de como as coisas são e que, por sua vez, está próxima da filosofia “do ser”, que é a filosofia que diz o que é, então, ontologia ou metafísica.

A filosofia prática inclui ética e política. É importante saber distinguir as duas, porque, no caso da ética, se está procurando a ação correta, a ação justa. No caso da política, digamos que não é bem isso. Nós estamos procurando a ação que a maior parte das pessoas quer praticar, que é uma decisão coletiva na sociedade democrática; em princípio, a maioria que decide qual vai ser, quem vai governar, como vai governar.

Há uma diferença importante porque, no caso da ética, nós estaríamos procurando fazer o que é certo, o que é justo, o que é correto, o que é melhor. Há várias formas de dizer e esses vários adjetivos usados não são sinônimos. Quando eu falo o que é certo, eu estou dizendo que outra atitude é errada;  quando estou dizendo o que é justo, o que é bom, o que é melhor, eu estou fazendo uma gradação. Mas, seja como for, no caso da ética, temos um compromisso com o que seria o certo em contraposição ao que é errado.

No caso da política, para ela ser democrática, precisamos ter geralmente duas alternativas, duas opções possíveis, e geralmente a gente chama de direita e esquerda. É muito importante que essas duas posições tenham valores éticos. É como se fosse um pré-requisito: tem que ser ético, tem que ser justo, tem que ser bom, mas, isso posto, você tem dois caminhos possíveis.

Vamos exemplificar isso com a Constituição brasileira: no seu artigo 3º, diz “que o Brasil pretende ser uma sociedade justa, livre e solidária”; também diz que “queremos erradicar a pobreza”, então todo governo terá que lutar para reduzir  e acabar com a pobreza. Pode-se fazer isso de uma maneira mais socialista, mais pela atuação coletiva, ou de uma maneira mais individualista, mais pelo apelo ao liberalismo, deixando claro um liberalismo de verdade, não essa fraude que consiste em pensar simplesmente que você tira o Estado e cada um faz o que quiser, não é isso. Nós temos uma meta ética na Constituição brasileira que é essa. Como temos outras metas éticas e podemos ter a execução disso num estilo de uma direita democrática, como na Alemanha, com Angela Merkel, ou de um estilo mais de esquerda, como na própria Alemanha, com o governo atual, que tem maioria social democrata.

O que se torna problema é o seguinte: como na ética nós temos uma distinção grande entre certo e errado, as pessoas projetam a ética sobre a política e começam a achar que quem discorda delas, ou as pessoas de quem elas discordam, são pessoas que estão erradas, que não estão fazendo o que é certo, que não estão sendo éticas. Aí é muito fácil dizer que as pessoas são desonestas, são corruptas, são más, e acreditar em um monte de balelas sobre elas. Por exemplo: acreditar que querem abusar de crianças, que querem fazer coisas erradas quanto à sexualidade das crianças, e por aí vai.

É importante deixar claro que, na política, nós precisamos ter um nível de compreensão da diferença, de aceitação da diferença dentro do arco democrático. Agora, claro, se for alguém que quer promover a guerra, a violência, a morte, aí sai da ética, aí não é mais uma posição justa para você dizer politicamente que tanto pode ser essa posição quanto a outra.


Ética e Política
A coluna Ética e Política, com o professor Renato Janine Ribeiro, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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