Cientistas descobrem nova espécie de coral em Alcatrazes

Famoso arquipélago do litoral norte de São Paulo foi recentemente aberto ao turismo e está sob ameaça do coral-sol, uma espécie exótica invasora

 09/12/2019 - Publicado há 4 anos
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Coenocyathus sp.: cada pólipo da nova espécie tem cerca de 2 cm de diâmetro – Foto: Alvaro Migotto

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O baú de tesouros biológicos dos Alcatrazes parece não ter fundo. A mais nova joia na coroa de biodiversidade do lendário arquipélago do litoral norte de São Paulo é um coral pink, de cor vibrante e pólipos arredondados, parecidos com pedras preciosas. Ainda sem nome, a espécie foi descoberta no início deste ano, dentro de um cânion submarino da ilha principal, a pouco mais de 30 metros de profundidade.

O cânion fica bem abaixo de um dos pontos mais famosos de mergulho da ilha — conhecido como Matacões —, mas não costuma ser visitado por causa das condições adversas que prevalecem nessa profundidade em Alcatrazes, de águas frias e túrbidas. O pesquisador Marcelo Kitahara, mesmo já tendo mergulhado mais de 300 vezes no arquipélago, nunca tinha conseguido entrar nele. Até que um dia, no fim de abril, durante uma expedição de pesquisa, a oportunidade apareceu.

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Coenocyathus sp.: cada pólipo de coral é um animal individual. Juntos, formam uma colônia  – Foto: Alvaro Migotto

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Era um dia de águas especialmente claras, e Kitahara aproveitou para desbravar o local, acompanhado do amigo e biólogo Leo Francini — outro veterano de Alcatrazes, que também nunca tinha conseguido descer até a base do cânion. Os pólipos cor-de-rosa, com cerca de 2 centímetros cada, logo lhes saltaram aos olhos, incrustados a uma massa bege de cracas e moluscos que revestia a rocha.

“Nunca tinha visto nada com essa cor”, relembra Kitahara, professor do Departamento de Ciências do Mar da Universidade Federal de São Paulo (DCMar-Unifesp) e colaborador do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (Cebimar-USP), especialista em corais. Autorizado a fazer coletas no local, ele removeu alguns pólipos para análise em laboratório. “Inicialmente achei que poderia ser uma outra espécie, comum aqui no Sudeste, mas olhando com um pouco mais de calma percebi que era algo diferente. Quando voltei para o barco já tive o feeling de que poderia ser uma espécie nova.”

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Coenocyathus sp.: colônia encontrada pelo pesquisador tinha cerca de 400 pólipos – Foto: Marcelo Kitahara

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De volta ao Cebimar, em São Sebastião, alguns pólipos foram dissecados e outros, colocados em aquários para observação. As análises genéticas e morfológicas indicam se tratar de uma espécie do gênero Coenocyathus, que tem oito espécies conhecidas no mundo — apenas uma delas no Brasil.

A diferenciação é feita, principalmente, com base na morfologia do esqueleto do coral e, para ter certeza de que se tratava de uma espécie nova, foi preciso comparar o esqueleto dos pólipos de Alcatrazes aos de outros corais do mesmo gênero, depositados na coleção de corais do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro — que só escapou do incêndio de 2018 porque ficava guardada fora do prédio principal. Um artigo científico está sendo preparado agora para oficializar a descoberta e dar nome à espécie.

As pesquisas em aquário continuam, enquanto os pesquisadores aguardam a próxima oportunidade de mergulhar no cânion e pesquisar a espécie mais a fundo na natureza. Kitahara acredita que haja outras colônias do coral espalhadas por ali, mas não sabe em que abundância nem onde estão. Naquele mesmo mergulho de abril ele identificou uma nova espécie de zoantídeo (um tipo de anêmona pequena), com apenas 2 milímetros de diâmetro. “Ainda temos muito o que descobrir em Alcatrazes”, ressalta o cientista.

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O Arquipélago dos Alcatrazes é uma área protegida, 35 km distante de São Sebastião – Foto: Herton Escobar/USP Imagens

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Localizado a 35 quilômetros da costa, no entorno oceânico de São Sebastião e Ilhabela, o Arquipélago dos Alcatrazes é um dos maiores ícones da biodiversidade brasileira, com cerca de 1,3 mil espécies de fauna e flora registradas — incluindo 93 ameaçadas de extinção e 20 endêmicas, que só existem ali. Na superfície, dois de seus inquilinos mais famosos são a jararaca e a perereca-de-alcatrazes. Debaixo d’água, seus costões rochosos abrigam a maior diversidade de peixes de toda a costa brasileira, além de uma grande abundância de corais, moluscos, crustáceos e outros animais marinhos.

O arquipélago passou 30 anos fechado à sociedade, por imposição da Marinha, que utilizava suas ilhas como alvo para a prática de tiros e outros exercícios de guerra. Era uma zona militar, acessível apenas a pesquisadores, mediante autorização.

A situação só mudou em 2016, graças a um acordo entre a Marinha e o Ministério do Meio Ambiente, que resultou na criação do Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago dos Alcatrazes — uma unidade de conservação federal, que prioriza a proteção ao meio ambiente, mas também permite a visitação pública, supervisionada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Em dezembro de 2018, o arquipélago foi finalmente aberto ao público, e mais de mil pessoas já mergulharam em suas águas desde então.

Invasores

Curiosamente, a descoberta do novo coral aconteceu justamente num dia em que os pesquisadores estavam em Alcatrazes para tratar de uma outra espécie de coral, que também foi recentemente identificada no arquipélago — só que, neste caso, uma espécie exótica invasora, que os cientistas tentam expulsar do arquipélago (literalmente) a marretadas: o coral-sol.

Originário do Indo-Pacífico, o coral-sol desembarcou no Brasil no fim da década de 1990 e chegou a Alcatrazes em 2011, causando grande preocupação entre cientistas e ambientalistas. Na Ilha de Búzios, ao leste de Ilhabela, por exemplo, a espécie se disseminou como uma praga nos últimos anos, recobrindo grandes áreas do substrato marinho, em detrimento das espécies locais.

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Para evitar que o mesmo aconteça em Alcatrazes, o ICMBio realiza desde 2013, em parceria com pesquisadores, ambientalistas e voluntários, um trabalho constante de monitoramento e remoção da espécie. A extirpação é feita manualmente, na base da força bruta, com talhadeira e martelo. O coral-sol tem uma capacidade impressionante de regeneração, por isso as colônias têm de ser arrancadas por inteiro das rochas — qualquer pedacinho que ficar para trás dará origem a um novo invasor.

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Mutirões periódicos são organizados para fazer uma limpa nos costões das ilhas. Mais de 300 mil colônias de coral-sol, pesando mais de meia tonelada, já foram removidas do arquipélago nos últimos anos. No último desses mutirões, realizado em maio, 29 voluntários passaram o dia se espremendo entre rochas e “garimpando” debaixo d’água para remover 17 mil colônias de coral-sol do ambiente.

“Essas campanhas têm sido essenciais para diminuir a população invasora atual e suprimir o aumento dessa população no arquipélago, dando uma maior chance para que as espécies nativas ocupem esses espaços”, diz a pesquisadora Kátia Capel, do Cebimar-USP, que participa do monitoramento.

Se o novo coral pink dos Matacões lembra uma pedra preciosa, o coral-sol pode ser visto com uma espécie de pirita, ou ouro-dos-tolos — pode até ser bonito, mas de bonzinho não tem nada. Quanto menos dele, melhor.

Reportagem originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 8 de dezembro de 2019, em formato impresso e digital. Veja a cobertura completa aqui: Mergulho em Alcatrazes

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