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Foi-se o tempo em que os jornais impressos, o rádio e as emissoras de televisão exerciam uma influência tão grande na sociedade que eram praticamente os únicos meios pelos quais as pessoas se informavam. Agora o engajamento ocorre instantaneamente, via celular, através de redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram. Mas como fica o jornalismo num contexto em que as pessoas tomam conhecimento e participam dos acontecimentos muitas vezes até mais rápido que os próprios jornalistas? Quem exerce influência de modo hegemônico na sociedade atual, no sentido de unir e conduzir as pessoas?
De acordo com uma pesquisa realizada na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, no momento atual, esse poder hegemônico é exercido pelo chamado Príncipe Digital: quatro categorias (fontes de poder) que precisam se organizar para que haja uma intervenção junto à sociedade. Os dados estão na tese de doutorado da jornalista e professora universitária Maíra Carneiro Bittencourt Maia. A pesquisa foi a vencedora do Prêmio Tese Destaque USP 2017 na área de Ciências Sociais Aplicadas.
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Essas fontes de poder são a multidão de anônimos (utilizadores da internet e redes sociais além de líderes de opinião que ora são profissionais comunicadores e ora brotam dessas figuras de pessoas comuns); os líderes de opinião (comunicadores profissionais ou amadores que conseguem exercer liderança sobre algum grupo); as comunidades virtuais organizadas (novos movimentos sociais que se organizam principalmente através da internet); e os movimentos hackers que conseguem proporcionar um tipo de distribuição de informação de forma única e que agiram muito durante as manifestações populares (jornadas de junho) ocorridas em 2013); e os poderes políticos e econômicos institucionalizados (políticos, partidos, instâncias governamentais, grandes empresários, grandes corporações empresariais, empresas globais).
“Quando essas quatro fontes de poder atuam juntas, existe uma mobilização social e as pessoas vão para as ruas, fazem manifestação ou reivindicação por alguma causa, seja de um lado político (direita) ou de outro (esquerda). Mas quando elas não caminham juntas, não há mobilização social”, destaca a pesquisadora.
Veja abaixo o infográfico explicativo:
Categorias secundárias
Além das quatro categorias principais, a jornalista identificou outras secundárias que também influenciam o processo. “Elas são um pouco a estrutura e uma resposta a tudo isso: uma via para a ação dessas quatro fontes de poder”, explica Maíra. São elas: a internet e as redes sociais; a mobilização social; e o comum (o que une as pessoas em torno da mobilização é o tema de interesse comum).
Tudo isso dentro de um conteúdo dinâmico e difuso (influência da coletividade), onde há uma pluralidade sincronizada (a partir do deslocamento da hegemonia, que saiu das mãos dos poderes políticos e econômicos); o uso de discurso crítico (uma possibilidade de conversar com a multidão e conduzi-la); a participação popular; presença de elementos de humor e entretenimento; o financiamento variável; o uso de várias mídias ao mesmo tempo (transmídias); e a alternância de lideranças.
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De acordo com a pesquisadora, esse modelo do Príncipe Digital pode ser usado não apenas por jornalistas, mas também por políticos e educadores, para ações dentro de seu campo de atuação.
No último capítulo da tese, Maíra busca uma resposta para a área da comunicação. “Mas é preciso deixar claro que não existe um formato de linguagem genial que vai suprir todos os tipos de comunicação para este momento”, destaca. “É preciso analisar a realidade social em que se vive, entender para qual público estamos falando e qual é a resposta que se espera”, pondera, lembrando que tudo pode mudar dali a alguns meses. Entre as respostas para a área de comunicação, estão: o uso de múltiplas plataformas; participação popular sugerindo pautas e conteúdos (o chamado jornalismo de multidão); e o uso de infográficos e de múltiplas plataformas (internet, impresso, vídeo, áudio, etc.).
O Príncipe Digital
A jornalista partiu da análise do livro O Príncipe, escrito em 1513 por Nicolau Maquiavel (1469-1527), e das releituras realizadas pelo filósofo Antonio Gramsci (1891-1937) e pelo sociólogo Octavio Ianni (1926-2004) para analisar a questão da liderança nesses autores. “Maquiavel fez um mapeamento da sociedade italiana da época e analisou qual seria a melhor maneira de intervir na sociedade daquele momento. A conclusão dele é que um monarca – o príncipe do título – seria essa figura capaz de produzir essa hegemonia”, explica.
Os outros dois teóricos fizeram uma releitura do livro e uma análise da sociedade em que viviam e atualizaram o conceito de príncipe. Para Gramsci, a figura capaz de produzir hegemonia seria o “Moderno Príncipe”, representado pelo partido político (o partido socialista). Já para Octavio Ianni, essa figura é o chamado “Príncipe Eletrônico”, representado pelos meios de comunicação de massa (rádio e TV), e os comunicadores e editores presentes nesses meios.
“A proposta da tese é atualizar esse conceito de príncipe, já realizado por outros autores e em outros momentos, com a mesma intenção: fazer uma leitura da sociedade do momento para entendê-la e pensar em estratégias de como agir, principalmente na área da comunicação”, explica a pesquisadora. É assim que surge o Príncipe Digital, que são as quatro fontes de poder que conseguem intervir na sociedade de hoje.
A pesquisadora observou, entretanto, uma grande mudança: “Antes, os poderes políticos e econômicos eram soberanos nos outros príncipes. No Príncipe Digital não. Ora a gente vê que esse poder influencia a multidão de anônimos, produzindo hegemonia. Mas, muitas vezes, eles correm atrás das demais categorias para produzir hegemonia através delas, dependendo assim das comunidades virtuais organizadas, dos líderes de opinião e da multidão de anônimos.”.
Pesquisa de campo
A pesquisadora também fez uma leitura social do momento. Para isso, acompanhou 74 manifestações populares entre 2013 e 2015 e entrevistou pessoas de todas as regiões do Brasil via e-mail, Twitter e Facebook para descobrir quem eram as figuras de liderança apontadas por elas. Questionários foram enviados para centenas de pessoas e, no final, foram avaliados 601. Eles citavam 354 líderes diferentes.
Em 2015, Maíra criou um grupo focal com 180 pessoas dentre as 601 entrevistadas e durante seis meses aplicou o questionário novamente pois queria saber se aquelas lideranças continuariam sendo lembradas. Ela também pesquisou sobre quem eram esses 354 e, por tabulação, encontrou os 25 mais citados e, depois, os 10 mais.
No entanto, a pesquisadora alerta que isso representa a análise daquele momento e hoje os nomes poderiam ser outros. “Os líderes mudam muito, então o mais importante não são as pessoas, mas sim saber que existe uma alternância de liderança de acordo com a pauta e o momento vivido”, ressalta.
A pesquisa O príncipe digital: estruturas de poder, liderança e hegemonia nas redes sociais teve orientação do professor Eugênio Bucci, da ECA, e foi defendida em março de 2016. O trabalho foi transformado no livro O Príncipe Digital e publicado pela Appris Editora.
Mais informações: e-mail maira_bittencourt@hotmail.com ou maira_bittencourt@unir.br, com Maíra Bittencourt
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Pesquisas premiadas no Tese Destaque USP 2017
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