
A judicialização das políticas públicas é um fenômeno que vem se intensificando. Estudioso do assunto, o professor da Faculdade de Direito (FD) da USP José Maurício Conti investiga as consequências do grande aumento, registrado nos últimos 20 anos, no número de processos movidos por cidadãos pelo acesso a serviços garantidos na Constituição. Para Conti, que é também juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo, essa procura em massa pelos direitos sociais via tribunais, apesar de legítima, tem resultado em sobrecarga ao Poder Judiciário.
O problema tem origem na má gestão dos recursos públicos, resultando no não cumprimento de ações obrigatórias do governo (seja federal, estadual ou municipal). Assim, chegam aos tribunais inúmeras ações requerendo a efetivação de direitos básicos como saúde, educação, habitação e previdência social. Em creches, por exemplo, embora a prefeitura faça convênios com Ongs e abra escolas de educação infantil, ainda há um déficit muito grande de vagas, principalmente em bairros periféricos. Crianças são inscritas poucos meses após nascerem mas só vão conseguir ser matriculadas com dois ou três anos. Para evitar situações como essas, é muito comum que os pais entrem com ações judiciais.

Mesmo considerando que boa parte dos processos judiciais tenha sido feita por meio de contratação de advogados, o que demonstra que pessoas com maior nível de informação, renda e conhecimento estejam se beneficiando dos atendimentos, não é baixo o número de processos que dão entrada pelas Defensorias Públicas, que atendem gratuitamente pessoas com renda mensal de até três salários mínimos.
Com o crescente “ativismo judicial”, a Justiça vem se agigantando dentro da estrutura administrativa do Estado.
Com relação à saúde, os pedidos são dos mais variados: vão desde a obtenção de remédios até autorização de internações e cirurgias. Foi o caso das sentenças expedidas concedendo o uso e distribuição da fosfoetanolamina sintética, uma substância experimental produzida em laboratórios da USP e que supostamente teria efeitos curativos contra o câncer. Baseados na observância de princípios constitucionais, entre os quais o direito à vida e à dignidade humana, pacientes e seus familiares de vários Estados brasileiros entraram com o pedido de concessão da substância.
Segundo Conti, além do mau gerenciamento dos gastos públicos, os motivos que levam as pessoas a entrarem com ações contra o governo também podem ser creditados ao fato de elas terem maior consciência de seus direitos constitucionais.
Judicialização da administração pública
No quadro que se apresenta, o que se discute é que o aparato estatal não tem estrutura, meios e organizações que permitam sanar problemas por meio de sentenças. “As demandas cresceram e os recursos não acompanharam essa escalada.”

As demandas judiciais impetradas pela sociedade, apesar de legítimas, geram polêmicas como, por exemplo: os limites de atuação do Judiciário em atribuições que deveriam ser dos outros poderes (Legislativo ou Executivo) e o gerenciamento orçamentário do Poder Judiciário diante da crescente judicialização de conflitos sociais.
Sobre a última questão, o professor Conti defende que haja autonomia para o órgão e uma readequação orçamentária para suas novas despesas. Pela Constituição, já é assegurada ao Poder Judiciário maior independência administrativa e financeira, com limites estipulados conjuntamente com os demais poderes. Porém, em face da participação do Poder Judiciário em decisões de implementação de políticas públicas, devido ao crescente “ativismo judicial”, a Justiça vem se agigantando dentro da estrutura administrativa do Estado, conclui.
Sobre esse assunto e outros temas relacionados, mensalmente o professor José Maurício Conti escreve para o site Consultor Jurídico. Os textos são redigidos em linguagem objetiva e simplificada, facilitando o entendimento pelo público leigo. Esses mesmos artigos foram compilados no livro Levando o Direito Financeiro a Sério, que pode ser acessado gratuitamente no link.