Nos últimos 20 anos, o Brasil teve um grande ganho de produtividade na agricultura e na pecuária, produzindo mais com menos nitrogênio, fósforo e potássio – macronutrientes usados como adubo e indispensáveis à produção vegetal e, consequentemente, animal. Mas segundo pesquisa da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, tanto o consumo absoluto desses nutrientes como a geração de resíduos aumentaram consideravelmente, produzindo um grande impacto ambiental.
“Há um grande consumo de recursos naturais finitos e geração de dejetos sem que haja uma preocupação com a ciclagem desses recursos. No futuro, isso pode se tornar insustentável”, alerta o professor Augusto Hauber Gameiro, do Departamento de Nutrição e Produção Animal da FMVZ, em Pirassununga.
Os dados estão na pesquisa de pós-doutorado de Gameiro, realizada na Universidade AgroParisTech, na França. O trabalho traz uma estimativa do consumo de nitrogênio, fósforo e potássio envolvidos nos cinco principais sistemas de produção animal do Brasil: gado de corte, gado de leite, ave de postura, ave de corte e suínos, entre os anos de 1992 a 2013. Um artigo sobre o tema, Nitrogen, phosphorus and potassium accounts in the Brazilian livestock agro-industrial system, foi publicado na revista Regional Environmental Change.
Para chegar aos resultados, o professor se baseou na contabilidade de fluxo de materiais e no metabolismo industrial. A primeira é a somatória de tudo aquilo que entra e tudo aquilo que sai de um sistema (neste caso, a produção e o consumo de nitrogênio, fósforo e potássio provenientes dos cinco sistemas de produção animal, entre 1992 e 2013). Já o conceito de metabolismo industrial é inspirado no funcionamento de uma célula, mas extrapola para uma escala maior, que pode ser um determinado sistema, uma cidade ou até mesmo um país. Os dados foram obtidos de fontes como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outros bancos de informações públicos, além da literatura e de entrevistas com especialistas do setor.
Os resultados apontam para a necessidade de melhor reutilização de recursos não renováveis, como fósforo e potássio, e redução de uso daqueles que causam danos ao meio ambiente, como nitrogênio e fósforo. Esses dois elementos, lembra o professor, são reconhecidos como grandes causadores de problemas ambientais. Quanto ao potássio, o Brasil não dispõe de reservas naturais e precisa importá-lo. Outro problema é o País ser altamente dependente desses adubos.
Gameiro sugere ainda a adoção da integração lavoura-pecuária, técnica também conhecida como rotação de culturas anuais com pastagens, em que os produtores utilizam a terra para a produção animal e vegetal, realizando um revezamento entre elas, de acordo com a época do ano.
Em Paris, o adubo está no esgoto
O professor também cita como alternativa o uso de dejetos humanos e de animais como adubos. “Em Paris, [capital da França] todo o esgoto da cidade é tratado, transformado em adubo e usado na agricultura local”, exemplifica. Para ele, sem ciclagem de nutrientes não há sustentabilidade. “Para ser sustentável precisa haver o tripé social, ambiental e econômico. Se tiver só o fator econômico, não é sustentável”, diz. Ele lembra que o conceito 3R (Reduzir, Reaproveitar, Reciclar) já é conhecido na indústria e usado no setor de pneus, embalagem de agrotóxicos e equipamentos de informática, entre outros.
Gameiro conta que, ao chegar à França, teve um choque de realidade ao constatar como o Brasil está totalmente atrasado quanto às pesquisas com sustentabilidade do setor agropecuário. Segundo ele, na Europa, a ciência agrícola, a produção animal e a zootecnia lá desenvolvidas levam muito em conta a questão ambiental.
Desafios
O professor pondera que, nos dias atuais, levar sustentabilidade ao setor ainda é difícil, porém, viável. Ele fala dos estados do Sul do Brasil, onde é comum encontrar propriedades rurais que utilizam a integração lavoura-pecuária em suas propriedades e usam os dejetos dos animais como adubo nas diversas culturas que plantam.
Já nas grandes monoculturas como soja, cana e milho, tão comuns no Centro-Oeste brasileiro, isso se torna algo muito mais complexo. “São muitos desafios agronômicos, logísticos e ambientais”, aponta.
Fronteiras planetárias
O uso ilimitado de fósforo e nitrogênio enfrenta ainda um outro problema. Artigos publicados em 2009 na Nature e em 2015 na Science citam as Fronteiras Planetárias, nove limites ambientais seguros que a humanidade não deve ultrapassar, sob o risco de causar danos graves e até irreversíveis ao planeta. São elas: mudanças climáticas; perda da integridade da biosfera e extinção de espécies; mudança no uso da terra; os ciclos biogeoquímicos do fósforo e do nitrogênio; degradação da camada de ozônio; acidificação dos oceanos; uso global de água doce; concentração de aerossóis atmosféricos; e poluição química.
A ideia foi proposta no artigo A safe operating space for humanity publicado na Nature, em setembro de 2009, por um grupo de 29 pesquisadores mundiais, entre eles, Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo, na Suécia. Em 2015, o grupo publicou um novo artigo, desta vez na Science, Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet, onde apontam que as quatro primeiras fronteiras citadas acima já foram ultrapassadas. O ciclo do fósforo / nitrogênio é uma delas.
Mais informações: e-mail gameiro@usp.br, com Augusto Hauber Gameiro