Cientistas ao redor do globo correm contra o tempo em busca da cura para a covid-19. No Brasil, estão sendo testadas três vacinas de empresas diferentes. Apesar da urgência, especialista alerta que a produção do imunizador deve seguir normas e procedimentos complexos para comprovar a eficácia e não causar efeitos colaterais graves. Em entrevista ao Jornal da USP no Ar, o professor Gonzalo Vecina Neto, do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, fala sobre a complexidade para produzir uma vacina.
Primeiro são feitos os teste em laboratório, depois em animais de pequeno porte (geralmente camundongos) e, na sequência, em animais de médio porte. Terminados os chamados pré-clínicos, começa a experiência em humanos. Na fase 1 em humanos é investigada a segurança do produto e conta com cerca de 100 voluntários, nos quais os efeitos colaterais são verificados e, caso sejam leves, é iniciada a fase 2, com cerca de 200 pessoas para observar a criação de anticorpos, ou seja, a eficácia da vacina. Na fase 3, a aplicação do produto é feita em larga escala para analisar fenômenos raros que não foram percebidos nas fases anteriores. Se o resultado das três fases for positivo, a vacina é registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que libera a comercialização em massa.
Após o registro, a vacina entra na fase 4. O professor adverte que neste momento ainda é possível que o produto apresente resultados indesejados e precise ser retirado do mercado: “É o que aconteceu com a vacina da dengue da Sanofi, que chegou ao mercado e apresentou efeitos muito indesejados e teve que ser retirada, apesar de sido aprovada nas fases anteriores. Isso pode acontecer com alguma das vacinas da covid-19, por isso é bom ser muito rigoroso, tomar muito cuidado, registrar tudo o que acontece para que se possa analisar e eventualmente redirecionar a pesquisa, se assim for necessário”.
Atualmente, três vacinas para a covid-19 estão em fase de testes no Brasil, sendo a da chinesa Sinovac, pelo Instituto Butantan, a da Universidade de Oxford, pela Fundação Oswaldo Cruz, e a parceria entre a Pfizer e a BioNTech, que conta com laboratórios estadunidenses e alemães. Vecina Neto informa que o Brasil possui acordo para produzir 30 milhões de doses das vacinas desenvolvidas pela Sinovac e por Oxford e, após o recebimento do primeiro lote, as vacinas deverão ser fabricadas nos laboratórios do Instituto Butantan e da Fiocruz: “Há indício de um acordo de transferência de tecnologia para que as duas fábricas recebam lotes a serem envasados e posteriormente passem a fabricar o insumo farmacêutico ativo, o IFA, que é a matéria-prima da produção da vacina”.
Para Vecina Neto, a vacina russa, recentemente anunciada pelo presidente Vladimir Putin, causa preocupação porque não foi submetida à comunidade científica. “Não sabemos que tipo de tecnologia eles estão utilizando. Não sei o quanto existe de falso no acordo que o governo do Paraná estaria fazendo [com o governo russo], mas com certeza essa vacina vai passar por alguns percalços para ser aprovada na Anvisa, uma vez que não tem nenhuma informação sobre o modelo de desenvolvimento.”
Apesar de as três vacinas testadas no Brasil estarem na fase 3, o professor alerta que é preciso ter cuidado com o otimismo: “Nós não vamos ter jeito de vacinar a população a partir do início do ano que vem, no máximo alguns poucos grupos de risco, como os trabalhadores da saúde, a população de idosos e portadores de comorbidade. A vacina só vai chegar para a população, se tudo isso der certo, no segundo semestre do ano que vem, então a gente tem que tomar muito cuidado com esse entusiasmo”, e complementa: “A vacina não é um passe de mágica, não é uma bala de prata”.
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